segunda-feira, 5 de abril de 2021

Harmonia nas sociedades e nas nações em volta do Papado

São Leão III coroa imperador a Carlos Magno e põe o fundamento da Cristandade
São Leão III coroa imperador a Carlos Magno
e põe o fundamento da Cristandade
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Na Idade Média foi possível o nascimento da ordem social e política a partir do caos porque houve um ponto central que permaneceu fixo: o papado, centro da vida espiritual e articulador das boas relações entre os povos.

Mas muito diversas foram as suas relações com os diferentes Estados porque alguns se ligaram à Santa Sé por títulos especiais de dependência.

É o caso do Império Romano-Germânico, cujo chefe, sem se encontrar sob a suserania do Papa, ao contrário do que se acreditou frequentemente, deve contudo ser escolhido ou pelo menos confirmado por ele.

Isto explica-se, reportando-nos às circunstâncias que presidiram à sua fundação e à parte essencial que aí tinha tomado o papado, que não faz mais do que conferir-lhe o seu título e julgar casos de deposição.

Outros reinos são vassalos da Santa Sé, pois num dado momento da sua história pediram aos papas a sua proteção.

Como os reis da Hungria, entregando-lhe solenemente a sua coroa; ou como os reis da Inglaterra, Polônia ou Aragão, pedindo-lhe que autenticasse os seus direitos.

De modo que o selo de São Pedro ratifica doravante e preserva as suas liberdades.

Outros enfim, e entre estes a França, não têm nenhum laço de dependência temporal com a Santa Sé, mas aceitam naturalmente as suas decisões em matéria de consciência, e também se submetem de boa vontade à sua determinação arbitral.

Tal é, nas suas grandes linhas, o edifício da Cristandade, como o precisou Inocêncio III numa época em que ela já se encontrava realizada na prática havia vários séculos.

Assenta essencialmente numa harmonia de ordem mística entre os povos.

O Papa Pasqual II recebe ao rei da França Filipe I
O Papa Pascoal II recebe ao rei da França Filipe I,
Biblioteca Nacional de França
Quando examinamos os princípios posteriores do equilíbrio europeu concebidos no tratado de Vestfália, não podemos impedir-nos de achar bastante pobre esta dosagem das nacionalidades de Vestfália.

O Papado foi a agulha de balança apontando as sólidas bases sobre as quais se fundava a paz medieval.

Equivocamo-nos frequentemente sobre o caráter destas relações entre a Igreja e os Estados.

Estamos habituados a ver na autoridade espiritual e na autoridade temporal dois poderes claramente distintos, e por vezes esta “intrusão” do papado nos assuntos dos príncipes foi julgada intolerável.

Tudo se aclara se nos integrarmos na mentalidade da época.

Não é a Santa Sé que impõe o seu poder aos príncipes e aos povos, mas os príncipes e os povos que, sendo crentes, recorrem naturalmente ao poder espiritual, quer eles queiram fazer fortalecer a sua autoridade ou respeitar os seus direitos, quer desejem fazer solucionar as suas questões por um árbitro imparcial.

Como o enuncia Gregório X: “Se é dever daqueles que dirigem os Estados salvaguardar os direitos e a independência da Igreja, é também dever daqueles que detêm o governo eclesiástico tudo fazer para que os reis e os príncipes possuam a plenitude da sua autoridade”.

Os dois poderes, em vez de se ignorarem ou de se combaterem, reforçam-se mutuamente.

O que pôde prestar-se a confusão é que na Idade Média é geral professar um maior respeito pela autoridade religiosa do que pela autoridade laica e julgar uma superior à outra, segundo o dito célebre de Inocêncio III: “Como a alma está para o corpo, ou como o Sol está para a Lua”.

Trata-se de hierarquia de valores, que não arrasta necessariamente a uma subordinação de fato.

Coroação de Filipe Augusto rei da França. Grandes Chroniques de France, Iluminura de Jean Fouquet. Tours, por volta de 1455-1460

Coroação de Filipe Augusto rei da França. Grandes Chroniques de France,
Iluminura de Jean Fouquet. Tours, por volta de 1455-1460

Além disso, é preciso não esquecer que a Igreja, guardiã da fé, é também juiz no foro íntimo e depositária dos juramentos, o que ninguém na Idade Média teria ousado contestar.

Quando é cometido um escândalo público, ela tem o direito e o dever de pronunciar a sua sentença, de absolver o culpado ou de perdoar o arrependido.

Portanto, quando excomunga um Roberto, o Piedoso, ou um Raimundo de Toulouse, ela apenas usa de um poder que lhe é universalmente reconhecido.

Do mesmo modo, quando ela desobriga do juramento de fidelidade os súditos do rei Filipe Augusto ou do imperador Henrique IV, na sequência da sua conduta repreensível ou das suas exações, ela exerce uma das suas funções soberanas.

Porque na Idade Média todo juramento toma por testemunha Deus, e por consequência a Igreja, que tem o poder de unir e de desunir.



(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)


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