segunda-feira, 18 de março de 2024

Bula “Parens scientiarum universitas” do Papa Gregório IX regulamentando a Universidade de Paris

Gregório IX, autor da Bula “Universitas Parens Scientiarum”
Gregório IX, autor da Bula “Parens scientiarum universitas”
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








A Universidade é uma criação da Igreja Católica na Idade Média. Até as Universidades modernas usufruem de direitos e privilégios concedidos pelos Papas na era medieval.

Em diversos posts deste blog tratamos da importância capital do impulso dado pelos Papas às Universidades.

A seguir apresentamos um exemplo de como os Papas fizeram isso.

Trata-se da Bula “Parens scientiarum universitas” de 13 de abril de 1231, emitida pelo Papa Gregório IX (1227-1241), regulamentando as atividades da Universidade de Paris, mais conhecida como a Sorbonne.

Numa época como a nossa em que as Universidades Católicas se revoltam contra as legítimas autoridades eclesiásticas e até decapitam em esfinge ao Santo Padre, como aconteceu na PUC de São Paulo, o documento a seguir produz um efeito ordenativo restaurador:

Gregório bispo, servidor dos servidores de Deus, a seus amados filhos, a todos os mestres e estudantes de Paris, saudação e benção apostólica.

Paris, mãe das ciências, como uma outra Cariath Sepher, cidade das letras, brilha com um esplendor precioso, grande sem dúvida.

Ela faz ouvir de si as maiores coisas, graças àqueles que nela apreendem e ensinam (...)

Paris medieval, época em que nasceu e floresceu a atual Universidade da Sorbonne
Paris medieval, época em que nasceu e floresceu a atual Universidade da Sorbonne
Desta maneira, é fora de dúvida que aquele que em dita cidade se esforçar para perturbar uma graça tão resplandecente ou aquele que não se opuser claramente e com força àqueles que a perturbam, desagrada profundamente a Deus e aos homens.

É por isso que, tendo considerado atentamente os problemas que nos foram submetidos a propósito da discórdia que ali nasce por instigação do diabo e que perturba gravemente os estudos, Nós julgamos, após ouvir o conselho de nossos irmãos, que é preferível resolver os problemas de modo mais prudente com um regulamento do que por uma decisão judicial.

Reunião dos doutores da Universidade de Paris
Reunião dos doutores da Universidade de Paris
Assim, no que concerne ao estatuto dos estudantes e das escolas, Nós decidimos que se deverão aplicar as seguintes regras:

Aquele que será escolhido como Chanceler de Paris deverá, na hora de sua posse, jurar diante do bispo, ou por decisão dele, diante do capítulo de Paris, na presença de dois mestres convocados para isso em representação da Universidade dos estudantes de Teologia e de Direito, lealmente e segundo a sua consciência, que ele não concederá licença de ensinar senão a homens dignos em função do lugar e do momento, segundo o estatuto da cidade, a honra e o renome das Faculdades, e recusará a licença aos indignos, afastando toda acepção de pessoa ou de origem.

Antes de conceder a licença a quem quer que seja, nos três meses a contar desde a apresentação do pedido de licença, ele deverá fazer-se examinar com diligencia, pelos mestres em teologia presentes na cidade e também por outras pessoas honestas e cultivadas, para que por meio deles se possa conhecer o valor, as ambições e outras coisas que se examinam nessas ocasiões.

Tendo assim examinado tudo o que convém fazer e parecer oportuno, o Chanceler, de acordo com sua alma e consciência, concederá ou recusará ao candidato a licença solicitada.

Quanto aos mestres de teologia e direito, quando eles começarem a dar aulas, prestarão juramento público de dar fiel testemunho das coisas ditas. O Chanceler jurará também não revelar jamais as declarações dos mestres se for em detrimento deles, da sua liberdade e do direito dos cônegos de Paris, que continuam com todo seu vigor inicial.

Estudantes na Universidade de Paris
Estudantes na Universidade de Paris
No caso dos médicos, dos artistas e dos outros, o Chanceler prometera examinar lealmente os mestres e admitir pessoas dignas, excluindo as indignas.

Além do mais, sendo verdadeiro que o mal se infiltra facilmente onde reina a desordem, Nós vos concedemos o poder de estabelecer sábias constituições ou regulamentos sobre os métodos e os horários das lições, das discussões, sobre as vestimentas apropriadas e as cerimônias funerárias.

Sobre os bacharéis: quem deverá dar as aulas, a hora, o autor escolhido, as taxas dos aluguéis e a proibição de certas casas, bem como o poder de castigar devidamente aqueles que se rebelarão contra estas constituições ou regulamentos, expulsando-os se mister (...).

Aquele que cometer um crime que postula prisão será detido no cárcere do bispo, ficando o Chanceler absolutamente proibido de manter uma prisão privada.

Nós proibimos, além do mais, que qualquer estudante venha preso por causa de uma dívida, pois isso está proibido por decisões canônicas regulares.

Nem o bispo, nem seu vigário, nem o Chanceler poderá pronunciar uma pena pecuniária para levantar uma excomunhão ou qualquer outra censura.

O Chanceler não poderá exigir dos mestres aos quais concedeu licença, juramento algum, ou qualquer sinal de submissão, ou outra forma, e não exigirá em virtude deste documento soma alguma de dinheiro ou obrigação, mas se contentará com o juramento acima indicado.

Estatutos da Universidade de Paris
Estatutos da Universidade de Paris
Nós proibimos formalmente os estudantes de andarem armados e ordenamos que a Universidade interdite aqueles que perturbarem a paz e o estudo.

Aqueles que fingem serem estudantes sem frequentar as aulas nem terem mestres, jamais poderão gozar das franquias (libertas) dos estudantes (...).

Que ninguém infrinja esta decisão, constituição, concessão, proibição e interdição, ou ouse opor-se a ela com audácia temerária.

E se alguém ousar atentar, saiba que encontrará a indignação de Deus todo-poderoso e dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo.

Dado em Latrão, nos idos de abril, do quinto ano de nosso pontificado.


(Fonte: Internet Medieval Sourcebook, Gregório IX (1227-1241), Bula “Parens scientiarum universitas, datada de 13 de abril de 1231. “Chartularium Universitatis Parisiensis”, éditions H. Denifle et E. Chatelain, Paris, Delalain, 1889, Tome 1, p. 136-139. Auteur: Kareen Healey kareenh@dsuper.net).




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segunda-feira, 4 de março de 2024

Glória da cidade medieval: a instituição das Universidades

Biblioteca da Universidade de Salamanca, Espanha
Biblioteca da Universidade de Salamanca, Espanha
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
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sócio do IPCO,
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Sem dúvida um dos florões da cidade medieval foi a instituição da Universidade.

Hoje são comuns. Mas elas constituem uma das melhores e mais exclusivas invenções medievais.

Não é verdade que a Idade Média tenha sido uma época de estreitamento intelectual, escreveu Jean Guiraud.

Biblioteca da Universidade de Coimbra, Portugal
Biblioteca da Universidade de Coimbra, Portugal
O testemunho que ela deixou de si mesma nos dá uma impressão toda contrária.

O século que precedeu a Renascença, o século XIV, foi, no dizer de M. Coville, “uma época de grande atividade intelectual”.

A Universidade de Paris exercia a profissão de fazer falar a “razão no seio da Igreja – Ratio dictans in Ecclesia”.

Gerson a chamava “nosso Paraíso terrestre no qual estava a árvore da ciência do bem e do mal”.

Seus ensinamentos tinham gerado centenas de mestres seguidos por milhares de estudantes.

“A Faculdade de Artes nos dá, em 1349, 502 mestres regentes (titulares); em 1403 já havia 790, e esse número é inexato. No sínodo de Paris de 1406, Jean Petit falava de mil mestres e um assistente o interrompeu para retificar, afirmando existirem dois mil”.

Não se saberia determinar o número dos estudantes. Juvenal de Ursins diz seriamente, a propósito de um desfile em 1412:

“O desfile foi feito da Universidade de Paris até Saint-Denis; e quando os primeiros estavam em Saint-Denis, o reitor estava ainda em Saint-Mathurin, rua Saint-Jacques”.

Isto significa um cortejo de estudantes com mais de 12 quilômetros de extensão!


Universidade de Coimbra, Portugal
Universidade de Coimbra, Portugal

E isto não nos deve deixar admirados porque, já no século XIII, estimava-se em 30.000 a população universitária de Paris e em 20.000 a de Bologna.

Tornando-se mais importante pelo seu renome e a multidão de seus mestres, a Universidade de Paris tinha numerosas rivais na França e na Europa inteira.

Movimento dos astros reproduzidos
O mundo cristão apresentava uma população de estudantes tão considerável, que mesmo nossos tempos não podem superá-la em número.

Ora, durante todos os séculos da Idade Média, este povo de estudantes tinha dado provas de uma vida intelectual intensa.

“Em certas ruas, escreve M. Coville, não havia casa sem escola; de todo lado se elevavam as construções imponentes dos colégios; em toda parte ensinava-se, discutia-se.

“A vida se passava em longos comentários de autores e em argumentação ou 'disputas', segundo a expressão consagrada.

“Havia as sessões solenes de argumentação na Faculdade de Artes, nos colégios da Navarra e da Sorbonne onde estes exercícios se prolongavam mesmo durante o recreio.

“É ao começo do século XIV que se reporta a instituição da sustentação dita “Sorbonnique” onde o autor devia sustentar uma tese durante doze horas.

Capela da Universidade de Coimbra
Capela da Universidade de Coimbra
“A Universidade nunca havia tido uma atividade intelectual tão intensa”.

Essas controvérsias, tocando as questões as mais graves, eram encorajadas pela própria Igreja.

O Anjo da Escola, São Tomás de Aquino, não havia ensinado que a razão pode render conta da fé e que a teologia é uma ciência?

“Seriam necessários inúmeros volumes – nos diz Victor Le Clerc – para enumerar a multidão dos teólogos que floresceram no século XIV, teólogos esses tão numerosos e tão fecundos que se faziam notar pelo ardor de suas especulações”.




(Autor: Jean Guiraud - “Histoire Partiale, Histoire Vraie”)




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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Dignidade pessoal nas categorias sociais

Bispo, fachada da catedral de Reims, França.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Havia na Idade Média uma forma de distinção própria a cada classe social, e condicionada à função de cada qual na sociedade.

Havia uma distinção eclesiástica, uma distinção aristocrática e uma burguesa.

É necessário não confundir a distinção, segundo a concepção medieval, com a dos tempos modernos.

No Ancien Régime, por exemplo, a distinção eclesiástica era ter o cabelo empoado, usar lencinho, e uma série de atitudes congêneres que davam idéia de um homem adamado, freqüentando a sociedade mundana.

Na Idade Média, pelo contrário, vemos o espelho da distinção eclesiástica nas imagens de bispos esculpidas nos portais das catedrais góticas.

Elas nos apresentam homens eretos, de porte firme, olhar profundo e simplicidade de maneiras.



Lápide funerária no túmulo de um nobre cavaleiro.
Catedral de Frankfurt
Mas ao mesmo tempo com racionalidade e nobreza, em tudo extraordinárias; verdadeiros pastores de almas, verdadeiros guias, príncipes na ordem do espírito, sem nenhuma preocupação de caráter mundano.

Eis o verdadeiro símbolo da distinção eclesiástica.

A distinção do nobre era uma distinção guerreira, porque a classe aristocrática era a classe militar.

A distinção do nobre consistia essencialmente em ser um batalhador corajoso, de peito aberto, olhar inflamado, atitude decidida.

A distinção plebéia, no fim da Idade Média, é a distinção do burguês: sério, calmo, bonachão, pensativo, de aspecto grave, colocado atrás de uma verdadeira tribuna, que era o seu balcão.

É a figura típica do burguês ou do artesão.

Esse modo de ser fazia parte da distinção burguesa.

São, como vimos, três estilos de vida, três funções diferentes na sociedade, dando origem a três tipos distintos.

Lápide sobre o túmulo de um casal burguês.
Catedral de Frankfurt
Porém todos eles, dentro dessas várias ordens, são proprietários das funções que ocupam, e nelas encarnam graus diferentes de distinção, personificando dessa forma os seus respectivos cargos.

Podemos assim ter uma idéia da variedade de tipos e da índole profunda que imperava no conjunto das instituições medievais.

Eram homens profundamente enriquecidos em sua dignidade pessoal, encarnando e personificando as posições que ocupavam.

Esta é uma das mais profundas razões da força e da solidez das instituições medievais.




(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, "A personalização dos cargos e a dignidade pessoal na Idade Média")




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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

San Gimignano: Ufania em relação a um passado de glória

San Gimignano a cidade das torres, na Toscana, Itália
Luis Dufaur
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A série de torres — para um olho mal habituado, deformado pelo espírito contemporâneo –– à primeira vista poderiam parecer arranha-céus.
San Gimignano é a famosa cidade, situada na Toscana, cercada por muralhas.

Todas suas construções são medievais.

San Gimignano era uma urbe guerreira, que visava ser a sentinela daquela região da Toscana.

Ela exprime exatamente a idéia do que seria uma cidade de menor porte daquela época, com construções bem simples.


Mas também com casas mais confortáveis, que lembram um tanto o gótico veneziano.

O aspecto das edificações, o traçado das ruas é muito característico das antigas cidades italianas.

Subindo-se em suas torres, podia-se vislumbrar de longe o inimigo se aproximar.

As torres estão num local elevado e, apesar de o terreno ser em declive, são construções fortes e altas.

A igreja, com uma fachada completamente sem ornamentos, causa uma impressão de solidez, de estabilidade, de força.

Passaram-se séculos, e ela conserva sua solidez.

É muito bonito o conjunto dessa visão constituída de moradias e torres.

Dir-se-ia que a cidade descansa amenamente da época dura e bélica de outrora.

Mas ainda conserva com satisfação, com ufania, a lembrança de um passado de glória.





Autor: Plinio Corrêa de Oliveira. Excerto sem revisão do autor.





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