O Soberano da Ordem de Malta em conselho de guerra |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Alguém fez notar que nada há de menos autocrata que um monarca medieval.* Nas crônicas, nas narrativas, trata-se sempre de assembleias, de deliberações, de conselhos de guerra.
* – Citemos esta passagem muito pertinente de A. Hadengue, na sua obra Bouvines, victoire créatrice:
“Os conselhos de guerra estão muito em uso nos estados-maiores dos exércitos da Idade Média. Sem cessar, vêm à pena dos cronistas as mesmas referências a eles.
No século XIII, um chefe militar não comanda, não decide à maneira de um general onipotente.
A sua autoridade é feita de colaboração, de confiança, de amizade. Está em dificuldade? Senta-se ao pé de uma árvore, chama os seus altos barões, expõe os fatos, recolhe as opiniões.
A sua opinião pessoal não prevalece sempre. ‘Cada um diz a sua razão’, como escreve Philippe Mouskès (pp. 188-189)”.
O rei não faz nada sem ouvir seu Conselho |
São os homens de armas — vassalos tão poderosos e às vezes mais ricos que o próprio rei — monges, sábios, juristas.
O rei solicita os seus conselhos, discute com eles, e dá muita importância a esses contatos.
Lê-se nos Enseignements de Saint Louis:
“Toma empenho para teres na tua companhia homens honestos e leais, que não estejam cheios de cobiça, quer sejam religiosos ou seculares, e fala muitas vezes com eles.
“[...] E se algum tem uma ação contra ti, não o julgues até que saibas a verdade, porque assim o julgarão mais ousadamente os teus conselheiros de acordo com a verdade, por ti ou contra ti”.
Ele próprio pratica o que ensina.
É preciso ler minuciosamente, em Joinville, a narrativa desse patético conselho de guerra realizado pelo rei na Terra Santa, quando os começos difíceis da sua cruzada vêm pôr tudo em questão e incitam a maior parte dos barões a querer regressar à França.
A forma como Luís IX faz saber a Joinville que lhe está agradecido por ter tomado o partido contrário, e por ter ele ousado exprimi-lo, é toda ela marca dessa familiaridade, extremamente simpática, dos reis para com os que os cercam:
“Enquanto o rei ouvia as suas graças, fui a uma janela de ferro.
“Tinha os meus braços entre os ferros da janela, e pensava que se o rei viesse para França, eu iria para o príncipe de Antíoco.
“Neste ponto em que me encontrava então, o rei veio apoiar-se nos meus ombros e pôs-me as duas mãos na cabeça.
João de Joinville entrega a História de São Luís a Luís X de França.
Miniatura do século XIV. Biblioteca Gallica
“Julguei que fosse o Sr. Philippe de Nemours, que me tinha causado demasiado aborrecimento nesse dia, pelo conselho que lhe tinha dado, e eu disse assim: ‘Deixe-me em paz, Sr. Philippe’.
“Por pouca sorte, ao voltar a cabeça, a mão do rei caiu-me sobre o rosto, e percebi que era o rei por causa de uma esmeralda que tinha no dedo.
“E ele disse-me: ‘Fique tranqüilo, porque quero perguntar-lhe como foi que, embora sendo tão jovem, ousou defender a minha permanência, contra todos os grandes homens e os sábios da França que louvavam a minha partida’.
“Eu lhe respondi: ‘Senhor, teria eu a maldade no meu coração, se não defendesse a qualquer preço a vossa permanência’.
“Perguntou-me: ‘Eu faria mal se partisse?’, e eu lhe respondi que ‘se Deus me ajuda, senhor, faríeis mal em partir’.
“Perguntou-me então: ‘Se eu ficar, ficas também?’.
“Respondi-lhe que sim, e ele disse: ‘Esteja tranqüilo, porque lhe tenho muita amizade por ter aprovado a minha permanência’”.
Esta bonomia, esta simplicidade de hábitos, são muito características da época.
Casimiro III o Grande, rei da Polonia, amou seu povo como um pai a seu filho |
Os reis vão e vêm no meio do povo.
Luís VII adormece na orla de uma floresta, e quando os familiares o despertam, faz-lhes observar que pode bem dormir assim, sozinho e sem armas, já que ninguém lhe quer mal.
Filipe Augusto, algumas horas antes de Bouvines, senta-se ao pé de uma árvore e recupera as forças com um pouco de pão molhado no vinho.
São Luís deixa-se insultar na rua por uma velha mulher, e proíbe os seus companheiros de a repreenderem.
Gibões de veludo e capas de arminho são reservados para as festas e recepções solenes, e ainda assim é muitas vezes usado o cilício sob o arminho.
É um motivo corrente de gracejo, para os estudantes alemães habituados às magnificências imperiais, a simplicidade do equipamento real.
Esta simplicidade não foi imitada pelos Valois, e menos ainda pelos seus sucessores do Renascimento, mas se estes ganharam com isso uma corte brilhante, perderam esse contato familiar com o povo, elemento precioso do prestígio de um príncipe.
(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
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