segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Autoridade do rei medieval:
mais um pai de família que um governante moderno

São Luís serve aos pobres como se fossem filhos doentes
São Luís serve aos pobres como se fossem filhos doentes
Grandes Chroniques de France. Bibliotèque Nationale, Paris
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Se a sociedade medieval funcionava com um organismo regido por uma vida própria, com uma extraordinária variedade de usos e costumes e uma estonteante autonomia nas leis e normas a todos os níveis, então como se podia exercer a autoridade real sobre um corpo que como que não precisava de cabeça?

O teólogo Henri de Gand vê na pessoa do rei um chefe de família, defensor dos interesses de todos e de cada um.

Tal parece ser bem a natureza da monarquia medieval.

O rei, colocado no topo da hierarquia feudal tal como o senhor na direção do domínio e o pai na chefia da família, é simultaneamente um administrador e um justiceiro.

É o que simbolizam os seus dois atributos — o cetro e a mão da justiça.

Como administrador, o rei tem em primeiro lugar ocasião de exercer o poder diretamente sobre o seu próprio domínio.
Conhece por experiência própria os detalhes administrativos de um feudo e sabe o que pode exigir dos seus vassalos, tendo nesse feudo os mesmos direitos e os mesmos deveres que eles.

Em diversas ocasiões, isto foi importante para o conjunto do reino.

Ora mais ora menos, um vassalo é tentado a imitar o suserano, daí o poder real ter podido dar aos barões exemplos salutares.

As reformas que ele introduzia no seu domínio, mas que não tinha o direito de impor aos outros, difundiam-se muitas vezes ao conjunto do país, como foi o caso da liberdade geral para os servos do domínio, no início do século XIV.

Isto provocava uma emulação benfazeja, da qual a própria realeza por vezes se beneficiava.

Os pequenos senhores feudais imitavam o exemplo paternal e protetor que vinha do rei nacional. Corteo storico em Oria, Itália
Os pequenos senhores feudais imitavam o exemplo paternal e protetor que vinha do rei nacional.
Corteo storico em Oria, Itália
Assim, os grandes vassalos tinham o direito de cunhar moeda, mas o rei, velando por que a sua fosse sempre a mais sã e a mais justa, acabou por levar toda a França a preferi-la às outras.

Não se deve, aliás, dar crédito à lenda dos reis falsos moedeiros, que só pode ser confirmada no caso de Filipe, o Belo, e para as épocas das grandes misérias públicas da Guerra dos Cem Anos.

Sobre os domínios senhoriais, o rei possui apenas um poder indireto.

Os barões que dependem imediatamente dele são pouco numerosos, mas todos podem apelar ao rei a propósito do seu suserano, e as ordens que ele dá transmitem-se por uma série de intermediários em todo o reino.

O direito que ele exerce é essencialmente um direito de controle: velar por que tudo o que está prescrito pelo costume seja normalmente executado, manter a “tranquilidade da ordem”.

A esse título ele é o árbitro designado para apaziguar as querelas entre vassalos.

O rei não tinha poder algum sobre a família. Mas o povo imitava os bons exemplos da família suprema: a real
O rei não tinha poder algum sobre a instituição familiar nem sobre seus membros.
Mas o povo imitava os bons exemplos da família suprema: a real.
Pela mesma razão que todos querem saber da família real inglesa atual.
Belo exemplo é a resposta de São Luís aos que lhe sugeriam, segundo o Dit d’Amiens, que seria melhor deixar os barões baterem-se entre si, com o que se enfraqueceriam a si próprios:

“Se eu os deixasse guerrear, poderiam estabelecer acordo entre si e dizer que o rei só os deixa guerrear devido à sua malícia.

“E poderia acontecer que se voltassem contra mim, pelo ódio que me teriam, portanto seria eu a perder; sem contar que eu conquistaria o ódio de Deus, que considera benditos os apaziguadores”.


Esse poder poderia permanecer completamente platônico, já que durante a maior parte da Idade Média o rei de França, com o seu exíguo domínio, dispõe de recursos inferiores aos dos grandes vassalos.

Mas o prestígio que lhe confere a unção,* além do elevado comportamento moral da linhagem capetiana, revelam-se singularmente eficazes contra os senhores mais turbulentos.

* - A unção, feita pelo arcebispo de Reims com o óleo da Santa Âmbula aí conservada, consagra a pessoa real. Os primeiros capetianos, para assegurarem a sua sucessão, tomavam o cuidado de mandar ungir os filhos enquanto ainda estavam vivos.

Prova-o suficientemente o exemplo do rei da Inglaterra, declarando que não pode fazer cerco ao local onde se encontra o seu suserano; e também o deste mesmo rei, recorrendo à arbitragem real para regular os seus próprios diferendos com os barões.

(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)



GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS HEROIS ORAÇÕES CONTOS SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário! Escreva sempre. Este blog se reserva o direito de moderação dos comentários de acordo com sua idoneidade e teor. Este blog não faz seus necessariamente os comentários e opiniões dos comentaristas. Não serão publicados comentários que contenham linguagem vulgar ou desrespeitosa.