segunda-feira, 29 de junho de 2020

Corporação medieval:
anos-luz à frente do sindicato atual

Tanoeiros fazendo pipas, vitral da catedral de Chartres
Tanoeiros fazendo pipas, vitral da catedral de Chartres
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








Além do comércio, o elemento essencial da vida urbana é o ofício.

A forma como foi compreendido na Idade Média, como se regulou o seu exercício e as suas condições, mereceu reter particularmente a atenção da nossa época, que vê no sistema corporativo uma solução possível para o problema do trabalho.

Mas o único tipo de corporação realmente interessante é a corporação medieval, tomada no sentido lato de confraria ou associação de ofício, logo alterada sob pressão da burguesia.

Os séculos seguintes não conheceram dela senão deformações ou caricaturas.

Não poderíamos definir melhor a corporação medieval do que vendo nela uma organização familiar aplicada ao ofício.

Ela é o agrupamento, num organismo único, de todos os elementos de um determinado ofício: patrões, operários e aprendizes estão reunidos, não sob uma autoridade dada, mas em virtude dessa solidariedade que nasce naturalmente do exercício de uma mesma indústria.

Como a família, ela é uma associação natural, não emana do Estado nem do rei.



Quando São Luís manda Étienne Boileau redigir o Livre des métiers (Livro dos ofícios), é apenas para colocar por escrito os usos já existentes, sobre os quais não intervém a sua autoridade.

O único papel do rei face à corporação, como de todas as instituições de direito privado, é controlar a aplicação leal dos costumes em vigor.

Como a família, como a universidade, a corporação medieval é um corpo livre, que não conhece outras leis senão as que ela própria forjou.

É esta a sua característica essencial, que conservará até ao fim do século XV.

Todos os membros de um mesmo ofício fazem obrigatoriamente parte da corporação, mas nem todos, bem entendido, desempenham aí o mesmo papel.

A hierarquia vai dos aprendizes aos mestres-jurados, que formam o conselho superior do ofício.

Habitualmente distinguimos aí três graus: aprendiz, companheiro ou servente de ofício e mestre.

Mas isto não pertence ao período medieval, durante o qual, até por meados do século XIV, na maior parte dos ofícios se pode passar a mestre logo que terminada a aprendizagem.

Os serventes de ofício só se tornarão numerosos no século XVIII, quando uma oligarquia de artesãos ricos procura cada vez mais reservar-se o acesso à mestria, o que esboça a formação de um proletariado industrial.

Durante toda a Idade Média, no entanto, as possibilidades iniciais são exatamente as mesmas para todos, e todo aprendiz, a menos que seja demasiado desajeitado ou preguiçoso, acaba por passar a mestre.

O aprendiz está ligado ao mestre por um contrato de aprendizagem — sempre esse laço pessoal caro à Idade Média — que comporta obrigações para as duas partes: para o mestre, a de formar o aluno no ofício e lhe assegurar a casa e o sustento, sendo proporcionado o pagamento pelos pais das despesas de aprendizagem; para o aprendiz, a obediência ao mestre e a aplicação ao trabalho.

Transposta para o artesanato, encontramos aí a dupla noção de “fidelidade-proteção”, que une o senhor ao vassalo ou ao rendeiro.

Mestres e aprendizes do ofício constituíam como que uma família
Mestres e aprendizes do ofício constituíam como que uma família
Mas, como aqui uma das partes do contrato é uma criança de doze a quatorze anos, são tomados todos os cuidados para reforçar a proteção de que deve gozar.

Enquanto se manifesta toda a indulgência para as faltas, as leviandades, até mesmo as vadiagens do aprendiz, os deveres do mestre são severamente precisados: só pode receber um aprendiz de cada vez, para que o ensino seja frutuoso e para que não possa explorar os alunos descarregando sobre eles uma parte do trabalho.

O aprendiz só tem o direito de incumbir-se do trabalho depois de o ter praticado durante um ano, pelo menos, para que se possa avaliar as suas capacidades técnicas e morais.

Dizem os regulamentos:

“Ninguém deve receber um aprendiz, se não for tão sábio e tão rico que possa ensiná-lo, governá-lo e mantê-lo, [...] e isto deve ser sabido e feito pelos dois membros do conselho que defendam o ofício”.

Eles fixam expressamente aquilo que o mestre deve gastar diariamente para a alimentação e a manutenção do aluno.

Finalmente, os mestres estão submetidos a um direito de visita detido pelos jurados da corporação, que vêm ao domicílio examinar a forma como o aprendiz é alimentado, iniciado no ofício e tratado de maneira geral.

O mestre tem para com ele os deveres e os encargos de um pai e deve velar pela sua conduta e pelo seu comportamento moral, entre outras coisas.

Em contrapartida, o aprendiz lhe deve respeito e obediência, mas vai-se ao ponto de favorecer uma certa independência deste.

No caso de um aprendiz abandonar a casa do mestre, este deve esperar um ano até poder receber outro, e durante todo esse ano é obrigado a receber o fugitivo, se ele voltar.

Todas as garantias estão assim do lado mais fraco, não do mais forte.


(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)



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2 comentários:

  1. Reli esse capítulo há dois dias. Regine Pernoud é uma entusiasta da idade média, assim como eu.

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  2. Très, Très bien Les informations, textes et photos, sont précieux
    Avez-vous quelques pages sur les Vikings invasions des territoires de L'Empire Romain Occidental puis 460?
    Merci bien, Messieurs

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