Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A história da evolução de uma cidade na Idade Média é um dos espetáculos mais cativantes.
Cidades mediterrâneas, como Marseille, Arles, Avignon ou Montpellier, rivalizando pela sua audácia com as grandes cidades italianas no comércio de aquém-mar; centros de tráfico, como Laon, Provins, Troyes ou Le Mans; núcleos de indústria têxtil, como Cambrai, Noyon ou Valenciennes; todas demonstraram um ardor, uma vitalidade sem igual. Obtiveram, além do mais, a simpatia da realeza.
Já que as cidades libertas entravam na enfiteuse real, não procuravam elas por este fato, em seu desejo de emancipação, a dupla vantagem de enfraquecer o poder dos senhores feudais e aumentar com isso inesperadamente o domínio real?
Muitas vezes a violência é necessária, e surgem movimentos populares como em Laon e Le Mans.
Mas frequentemente as cidades se libertam por meio de trocas, por tratados sucessivos ou simplesmente a preço de dinheiro.
Aí ainda, como em todos os detalhes da sociedade medieval, a diversidade triunfa, pois a independência pode não ser inteira.
Tal parte da cidade ou tal direito particular permanecem sob a autoridade do senhor feudal, enquanto o resto volta para a comuna.
Um exemplo típico é o de Marseille.
O porto e o bairro baixo, que eram repartidos entre os viscondes, foram adquiridos pelos burgueses, quarteirão por quarteirão, e tornaram-se independentes, enquanto que o bairro alto permanecia sob o domínio do bispo e do capítulo, e só uma parte da baía, em frente do porto, ficou propriedade da abadia de São Vítor.
Em todo caso, o que é comum a todas as cidades é a diligência com que procuram fazer confirmar essas preciosas liberdades que adquiriam, e sua pressa em se organizar, escrever seus costumes, regular suas instituições a respeito das necessidades que lhes eram peculiares.
Seus usos diferiam conforme a especialidade de cada uma delas: tecelagem, comércio, metalurgia, aproveitamento do couro, estaleiros e outras.
A França conservou durante todo o Ancien Régime um caráter muito especial, derivado dos costumes particulares de cada cidade, fruto empírico das lições do passado e fixados independentemente pelo poder local, tendo em vista as necessidades de cada uma.
Esta variedade de uma cidade para outra dava ao nosso país uma fisionomia muito atraente e muito simpática.
A monarquia absoluta teve a sabedoria de não tocar nos usos locais, de não impor um tipo de administração uniforme.
Esta foi uma das forças e um dos encantos da antiga França.
Cada cidade possuía, num grau difícil de se imaginar em nossos dias, sua personalidade própria, não somente exterior mas interior, em todos os detalhes de sua administração, em todas as modalidades de sua existência.
Em geral elas são, pelo menos no sul, dirigidas por cônsules, cujo número varia: dois, seis, e algumas vezes doze; ou ainda um só reitor reúne o conjunto dos encargos em suas mãos, sendo assistido por um juiz representante do senhor, quando a cidade não possui a plenitude das liberdades políticas.
Muitas vezes ainda, nas cidades mediterrâneas, recorre-se ao sistema de alcaides, instituição muito curiosa.
O alcaide é sempre um estrangeiro (os de Marseille são todos italianos), ao qual confia-se o governo da cidade por um período de um ou dois anos. Em toda parte onde foi empregado, este regime foi satisfatório.
Em todo caso, a administração da cidade compreende um conselho eleito pelos habitantes — geralmente por sufrágio restrito ou a vários graus — e por assembléias plenárias, reunindo o conjunto da população, mas cujo papel é sobretudo consultivo.
As representações das corporações possuem sempre um lugar importante, e sabe-se bem qual foi o papel desempenhado pelo representante dos comerciantes em Paris nos movimentos populares do século XIV.
A grande dificuldade encontrada pelas comunas são os problemas financeiros.
Quase todas se mostram incapazes de assegurar uma boa gestão das riquezas, e além disso o poder é logo monopolizado por uma oligarquia burguesa, que se mostra mais dura para com o povo miúdo do que os antigos senhores.
Daí a rápida decadência das comunas. Muitas vezes elas são agitadas por tumultos populares, e periclitam desde o século XIV, ajudadas nisso, é verdade, pelas guerras da época e pela enfermidade geral do reino.
(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
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