Casas populares em Troyes, região da Champagne, França. A dignidade, a compostura e a salubridade de casas, ruas e logradouros foram muito prezadas na Idade Média. |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Podemos perguntar, perante estes testemunhos inegáveis, o que é que terá sugerido a um Luchaire a estranha opinião segundo a qual as casas medievais não passavam de “pocilgas fedorentas, e as ruas eram cloacas” (apud La société française au temps de Philippe-Auguste, p. 6.).
É verdade que não cita monumento nem documento de espécie alguma em apoio à sua afirmação, e concebe-se dificilmente a razão pela qual, se tinham o hábito de viver em pocilgas, os nossos antepassados puseram tanto cuidado em orná-las de janelas com colunas dividindo-as ao meio, de arcaturas trabalhadas assentes em finas colunetas esculpidas, que reproduzem muitas vezes a ornamentação das capelas vizinhas.
Isso ainda se pode ver na Borgonha em Cluny, no Auvergne em Blesle, na Gasconha na pequena vila de Saint-Antonin, para citar apenas casas datadas da época romana, quer dizer, do século XI ou dos primeiros anos do século XII.
Quanto às ruas, longe de serem “cloacas”, são pavimentadas desde muito cedo, e Paris o foi desde os primeiros anos do reinado de Filipe Augusto.
Por um procedimento semelhante ao da Antiguidade, as pedras eram colocadas numa camada de cimento misturado com telhas esmagadas.
Troyes, Amiens, Douai, Dijon foram igualmente pavimentadas em épocas variáveis, como quase todas as cidades de França. E essas cidades possuíam também os seus esgotos, cobertos a maior parte das vezes.
Em Paris, foram descobertos esgotos sob os terrenos do Louvre e do antigo palácio da Trémoille, datando do século XIII, e sabe-se que a Universidade e os arrabaldes da Cité tinham, duzentos anos mais tarde, uma rede que compreendia quatro esgotos e um coletor.
Em Riom, Dijon e muitas outras cidades, foi igualmente possível verificar a presença de esgotos abobadados, atestando o cuidado com a salubridade pública.
Onde não existia o “tudo para o esgoto”, tinham sido criados vazadouros públicos, cujas imundícies eram despejadas nos rios — tal como se faz ainda hoje — ou queimadas.
Assim os estatutos municipais de Marselha ordenam a cada proprietário que varra os terrenos em frente da sua casa, e que arranje maneira de, em caso de chuva, as imundícies não poderem ser arrastadas pelas águas em direção ao porto, pelas ruas inclinadas.
Haviam sido construídas na embocadura das ruas que davam para o porto, que a municipalidade entendia conservar muito limpo, uma espécie de paliçadas destinadas a proteger as águas.
Não menos de quatrocentas libras por ano eram destinadas à sua manutenção.
Para as limpezas que eram efetuadas periodicamente, tinha-se imaginado um engenho composto por uma barca à qual estava fixada uma roda de alcatruzes, que vinham alternadamente raspar o fundo e depunham na barca a lama, que era em seguida despejada ao largo.
Regulamentos particulares velam pela proteção dos locais que o interesse público exige preservar especialmente contra a conspurcação: o açougue e a peixaria, que devem ser lavados com água diariamente, de uma ponta à outra; a pelaria, cujas águas nauseabundas devem ser despejadas num conduto escavado especialmente para o efeito.
Resulta de tudo isto que, na Idade Média como hoje, a salubridade pública não era descuidada.
O maior inconveniente que a isso se podia opor provinha dos animais domésticos, então mais numerosos do que nos nossos dias.
Não era raro ver um rebanho de cabras ou de carneiros, ou mesmo uma manada de vacas, abrir passagem por entre os tabuleiros dos vendedores, provocando desordens e atropelos.
Foi pois fixado um limite a não ser ultrapassado por eles no perímetro da cidade, o que ainda se pode ver em algumas cidades.
Em Londres, rebanhos de carneiros atravessam quotidianamente uma das praças mais movimentadas para ir pastar nos parques.
Havia sobretudo os porcos (cada família criava então uma quantidade suficiente para o consumo familiar) que circulavam na calçada, a despeito das repetidas proibições.
Mas isso não era totalmente mau, pois eles devoravam todos os detritos comestíveis, contribuindo portanto para suprimir uma causa de insalubridade.
(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
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Ótimo.
ResponderExcluirFã do seu blog , continue.
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