segunda-feira, 17 de junho de 2024

Bulício na rua, aconchego no lar:
agradáveis contrastes da vida medieval

Mercado medieval, séculos XII-XIII
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




Uma coisa magnífica na Idade Média é o contraste entre, de um lado, os remansos e de outro lado a atividade, a luta e até a aventura.

Nunca houve tanta atividade, tanta luta, tanta aventura como quando houve remanso.

As ruas das cidades da Idade Média viviam repletas, borbulhando de atividade.

Todos os andares térreos com comércios, anúncios, gente gritando para vender mercadorias, falando alto, brigaria.

As ruas eram movimentadíssimas.

Mas nas casas que bordejavam as ruas, de um lado e de outro, logo na primeira sala se estava psicologicamente a mil léguas da rua.

Não eram como as casas de hoje que têm um janelão que dá para a rua e a pessoa no quarto de dormir se sente na rua.

Mas eram aquelas casas de paredes grossas ‒ parede grossa tem um efeito psicológico tremendo ‒ com umas janelas com onde o peitoril é larguíssimo, com banquinho de um lado e de outro para colocar almofada.

Móveis medievais, Museu de Arte decorativa, Paris
Móveis medievais, Museu de Arte decorativa, Paris
Podemos imaginar uma família sentada de um e outro lado da janela para aproveitar a luz que entra, e lendo um livrão.

E um jarrozinho de flor ainda no peitoril da janela.

Porta de casa medieval. Museu de Arte decorativa, Paris
Umas tulipas, uma coisa qualquer iluminada pela luz que entra, e a rua psicologicamente a léguas.


Os vidros das janelas eram tipo fundo de garrafa, de maneira que o ambiente da casa já ressumia intimidade a poucos centímetros da rua onde está havendo toda aquela barulheira.

Depois, noites calmas e muito recolhidas.

Os bandidos prestavam este serviço: todo mundo tinha medo de sair por falta de iluminação e por causa deles.

Então, fora ruge o perigo, mas dentro, as casas têm portas com dobradiças de metal e trancas aferrolhadas.

De maneira que a pessoa ouve lá fora os bandidos e o guarda que vai correndo atrás deles, se sentido inteiramente seguro em casa.

Dentro, cada um se sente aconchegado, com um carapução e bebendo um chá de losna, com pantufas, junto á lareira que está acesa, enquanto um qualquer vai lendo a história dos antepassados, mesmo nas famílias plebeias. Ou lendo o Evangelho e a vida dos Santos.

Tem-se aquela sensação de tranquilidade...

Quarto de dormir da Idade Média, Museu de Arte Decorativa, Paris.
No silêncio da noite, o guarda passa cantando canções religiosas para avisar todo mundo que ele está por perto...

Eu aprendi em menino uma canção em alemão que dizia:

“Ouvi, senhor, e permiti que Vos cante que nosso relógio deu doze horas. Meia noite. Doze apóstolos no mundo. Ó homem quanta vigilância isto representa para teu coração”.

Tudo isto, ouvido no isolamento da casa onde mora muita gente, e gente intimamente imbricada pela solidariedade familiar, dá uma atmosfera de aconchego, de calor, de placidez, que é propriamente o remanso dentro da vida familiar.

É um remanso gerado pela reta vida estática, e não é uma paradera de morte.

(Fonte: Plinio Corrêa de Oliveira, 29/4/67. Sem revisão do autor.)


Vídeo: dormitório medieval com peças de época




GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS HEROIS ORAÇÕES CONTOS SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Maravilhosa estabilidade ideal para a vida espiritual

Cozinheiros. Vitral da catedral de Chartres
Cozinheiros. Vitral da catedral de Chartres
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








Na Idade Média descia uma luz sobrenatural sobre o bom senso do pequeno burguês, do operário qualificado ou não qualificado, do pedreiro que passa cinco anos cinzelando uma volta de uma coluna, sem pressa, sem aflição, sem nada, e que termina na hora em que se reza o Angelus.

Ele termina, guarda seus instrumentos de trabalho, vai para casa direto, sem ficar borboleteando pelas ruas nem indo atrás de mulhericas, encontra sua esposa que está preparando o jantar.

Ele se senta, os filhos se põem em torno dele, trazem-lhe uns chinelões bons para pés de elefantes, ele calça aquilo e começa então a doutorar lá, e contar; depois lê um trecho da Escritura, etc.

Uma coisa tocante que naquele tempo se fazia: toda casa, por mais modesta que fosse a família, escrevia seu livro de história, em que se registrava o que aconteceu.

Então, hoje nasceu Carlinhos, filho da Maria e do Pedro pedreiro, ele é forte, tem não sei o quê... mas nasceu com o nariz torto. Não tinha remédio.

Mais adiante: “Fulano e o irmão dele foram despedidos do emprego. Ele foi ato contínuo contratado para ir servir em Valença, no condado de Barcelona. Mas antes de ir ele quer fazer uma peregrinação a tal lugar assim da Itália, depois voltará e deve estar em Barcelona em tal data”.

De tudo que acontecia iam tomando nota, e de vez em quando, nas longas noites de inverno em que anoitecia cedo, e levava muito tempo para o pessoal dormir — não tinha televisão — lia-se o livro de memórias familiares do passado.

Eu acho muito bonito. Essa estabilidade eu acho maravilhosa.

Eu ainda peguei muito a estabilidade do povinho, porque em frente de minha casa na rua Barão de Limeira, no início do século XX, havia todo um renque de casas operárias misturadas com as casas das melhores famílias de São Paulo.

Tintureiros. O aprendiz aprende o ofício auxiliando o mestre. Vitral dos Apóstolos, catedral de Chartres, França.
Tintureiros. O aprendiz aprende o ofício auxiliando o mestre.
Vitral dos Apóstolos, catedral de Chartres, França.
Eu via os operários viverem. E achava a vida deles muito mais sossegada que a nossa.

Sempre que eles entravam em casa, entravam pé ante pé, devagar.

Em geral eu entrava na minha casa, subia a escada de dois em dois, e mal chegava em cima já ia tirando a chave e abrindo para fazer não sei o quê, porque tinha não sei o quê. E eu que sou amigo do sossego, suspirava e dizia: “Afinal, aqueles homens lá não ficam com o melhor da vida?”

No fundo era uma forma de recolhimento. E esse recolhimento estabelecia um nexo do que há de mais alto, de mais sobrenatural com as coisas menores e mais sem importância.

Vamos dizer, uma dona de casa preparando as malas dela para ir passar uma temporada de férias na casa de uma prima. E ela, enquanto se prepara, se lembra de Nossa Senhora preparando a viagem para visitar Santa Isabel e fica pensando na Visitação.

Depois, antes de ir embora, pede a Santa Isabel que proteja a viagem e sai. Tudo isso é densamente impregnado de perfume sobrenatural.

Imaginemos um homem que, por exemplo, frita linguiças na porta de entrada de algum local para vender ao público.

Qual é a diferença entre o medieval e o homem moderno?

É que o medieval, enquanto fritava a linguiça, no interior da alma ficava considerando horizontes internos, proporcionados ao trabalhador manual, mas sempre mais amplos, e nisto era insaciável.

Do meio desse povo, Nossa Senhora selecionava e chamava para horizontes mais insaciáveis alguns que não necessariamente iam ser mártires, mas poderiam ser professores, ou pregadores como São Luís Grignion de Montfort!

Então, o que é que era necessário em qualquer uma das categorias da ordem medieval?

O que era preciso é que cada um na sua condição, sem ter a ambição de se promover, cultivasse as mais altas cogitações e quisesse fazer do modo mais perfeito aquilo que é próprio à sua profissão.

(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, 28/2/91. Sem revisão do autor)


GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS HEROIS ORAÇÕES CONTOS SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS