Cozinheiros. Vitral da catedral de Chartres |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Na Idade Média descia uma luz sobrenatural sobre o bom senso do pequeno burguês, do operário qualificado ou não qualificado, do pedreiro que passa cinco anos cinzelando uma volta de uma coluna, sem pressa, sem aflição, sem nada, e que termina na hora em que se reza o Angelus.
Ele termina, guarda seus instrumentos de trabalho, vai para casa direto, sem ficar borboleteando pelas ruas nem indo atrás de mulhericas, encontra sua esposa que está preparando o jantar.
Ele se senta, os filhos se põem em torno dele, trazem-lhe uns chinelões bons para pés de elefantes, ele calça aquilo e começa então a doutorar lá, e contar; depois lê um trecho da Escritura, etc.
Uma coisa tocante que naquele tempo se fazia: toda casa, por mais modesta que fosse a família, escrevia seu livro de história, em que se registrava o que aconteceu.
Então, hoje nasceu Carlinhos, filho da Maria e do Pedro pedreiro, ele é forte, tem não sei o quê... mas nasceu com o nariz torto. Não tinha remédio.
Mais adiante: “Fulano e o irmão dele foram despedidos do emprego. Ele foi ato contínuo contratado para ir servir em Valença, no condado de Barcelona. Mas antes de ir ele quer fazer uma peregrinação a tal lugar assim da Itália, depois voltará e deve estar em Barcelona em tal data”.
De tudo que acontecia iam tomando nota, e de vez em quando, nas longas noites de inverno em que anoitecia cedo, e levava muito tempo para o pessoal dormir — não tinha televisão — lia-se o livro de memórias familiares do passado.
Eu acho muito bonito. Essa estabilidade eu acho maravilhosa.
Eu ainda peguei muito a estabilidade do povinho, porque em frente de minha casa na rua Barão de Limeira, no início do século XX, havia todo um renque de casas operárias misturadas com as casas das melhores famílias de São Paulo.
Tintureiros. O aprendiz aprende o ofício auxiliando o mestre. Vitral dos Apóstolos, catedral de Chartres, França. |
Sempre que eles entravam em casa, entravam pé ante pé, devagar.
Em geral eu entrava na minha casa, subia a escada de dois em dois, e mal chegava em cima já ia tirando a chave e abrindo para fazer não sei o quê, porque tinha não sei o quê. E eu que sou amigo do sossego, suspirava e dizia: “Afinal, aqueles homens lá não ficam com o melhor da vida?”
No fundo era uma forma de recolhimento. E esse recolhimento estabelecia um nexo do que há de mais alto, de mais sobrenatural com as coisas menores e mais sem importância.
Vamos dizer, uma dona de casa preparando as malas dela para ir passar uma temporada de férias na casa de uma prima. E ela, enquanto se prepara, se lembra de Nossa Senhora preparando a viagem para visitar Santa Isabel e fica pensando na Visitação.
Depois, antes de ir embora, pede a Santa Isabel que proteja a viagem e sai. Tudo isso é densamente impregnado de perfume sobrenatural.
Imaginemos um homem que, por exemplo, frita linguiças na porta de entrada de algum local para vender ao público.
Qual é a diferença entre o medieval e o homem moderno?
É que o medieval, enquanto fritava a linguiça, no interior da alma ficava considerando horizontes internos, proporcionados ao trabalhador manual, mas sempre mais amplos, e nisto era insaciável.
Do meio desse povo, Nossa Senhora selecionava e chamava para horizontes mais insaciáveis alguns que não necessariamente iam ser mártires, mas poderiam ser professores, ou pregadores como São Luís Grignion de Montfort!
Então, o que é que era necessário em qualquer uma das categorias da ordem medieval?
O que era preciso é que cada um na sua condição, sem ter a ambição de se promover, cultivasse as mais altas cogitações e quisesse fazer do modo mais perfeito aquilo que é próprio à sua profissão.
(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, 28/2/91. Sem revisão do autor)
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Em tempos de whatsApp esse é um chamado para voltar às coisas simples da vida.
ResponderExcluirObrigado pela inspiração.