segunda-feira, 22 de março de 2021

Do abismo do caos saiu o inimaginável:
a grande ordem medieval

A Grande Ordem nasceu em meio à derrocada do Império romano
A Grande Ordem nasceu em meio à derrocada do Império romano
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






A Idade Média, tal como se apresentava no seu ponto de partida, corria o risco de nunca conhecer senão o caos e a decomposição.

Nasceu de um império desmoronado e de vagas de invasões sucessivas, formada por povos desarmônicos que tinham cada um os seus usos, seus quadros e sua ordem social diferentes, quando não opostos.

Quase todos esses povos bárbaros tinham um sentido muito vivo das castas, da sua superioridade de vencedores.

De ali só poderia sair o mais inconcebível esboroamento, e de fato o apresentou no início.

Contudo, verificamos que nos séculos XII e XIII essa Europa tão dividida, tão perturbada por ocasião do seu nascimento, atravessa uma era de harmonia e de união tal como nunca conhecera.

E talvez não conhecerá mais no decorrer dos séculos.

Ds bárbaros, povos desarmônicos, diferentes ou opostos, só podia resultar o desabamento geral
Dos bárbaros, povos desarmônicos, diferentes ou opostos,
só podia resultar o desabamento geral
Por ocasião da primeira cruzada, vemos príncipes sacrificarem os seus bens e os seus interesses, esquecer as suas querelas para tomarem juntamente a Cruz.

Os povos mais diferentes reuniram-se num único exército.

A Europa inteira estremeceu à palavra de um Urbano II, de um Pedro, o Eremita, mais tarde de um São Bernardo ou de um Foulques de Neuilly.

Vemos monarcas, preferindo a arbitragem à guerra, submeter-se ao julgamento do Papa ou de um rei estrangeiro para regularizar as suas dissensões.

Fato ainda mais notável, encontramo-nos perante uma Europa organizada.

Ela não é um império, não é uma federação — é a Cristandade.

É preciso reconhecer aqui o papel representado pela Igreja e pelo papado na ordem europeia.

Foram, com efeito, fatores essenciais de unidade.

A diocese, a paróquia, confundindo-se frequentemente com o domínio, foram durante o período de decomposição da Alta Idade Média as células vivas a partir das quais se reconstituiu a nação.

As grandes datas que para sempre marcariam a Europa são as da conversão de Clóvis, assegurando no mundo ocidental a vitória da hierarquia e da doutrina católicas sobre a heresia ariana.

E a coroação de Carlos Magno pelo Papa Estêvão II, que consagra o duplo poder espiritual e temporal, cuja união formará a base da cristandade medieval.

É preciso ter em conta, de uma maneira mais geral, a influência do dogma católico que ensina que todos os filhos da Igreja são membros de um mesmo corpo, como o lembram os versos de Rutebeuf:

Tous sont un corps en Jésus-Christ,

Dont je vous montre par l’écrit

Que li uns est membre de l’autre.


Todos somos um só corpo em Jesus Cristo,

E assim eu vos mostro, pelo que está afirmado,

Que nós somos membros d’Ele.

Busto-relicário de Carlos Magno. Fundo: cúpula da catedral de Aquisgrão, sua capital.
Busto-relicário de Carlos Magno.
Fundo: cúpula da catedral de Aquisgrão, sua capital.
A unidade de doutrina, vivamente sentida na época, jogava a favor da união dos povos.

Carlos Magno compreendera-o tão bem que, para conquistar a Saxônia, enviava missionários de preferência a exércitos, e o fazia por convicção, não por simples ambição.

A história repetiu-se no Império Germânico com a dinastia dos Otões.

A Cristandade pode definir-se praticamente como a “universidade” dos príncipes e dos povos cristãos obedecendo a uma mesma doutrina, animados de uma mesma fé, e reconhecendo desde logo o mesmo magistério espiritual.

Esta comunidade de fé traduziu-se numa ordem europeia assaz desconcertante para cérebros modernos, bastante complexa nas suas ramificações, grandiosa contudo quando a examinamos no seu conjunto.

A paz na Idade Média foi muito precisamente, segundo a bela definição de Santo Agostinho, “a tranquilidade da ordem”.




(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)


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segunda-feira, 8 de março de 2021

O rei vive em meio do povo e partilha sua sorte

O Soberano da Ordem de Malta em conselho de guerra
O Soberano da Ordem de Malta em conselho de guerra
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





Alguém fez notar que nada há de menos autocrata que um monarca medieval.* Nas crônicas, nas narrativas, trata-se sempre de assembleias, de deliberações, de conselhos de guerra.

* – Citemos esta passagem muito pertinente de A. Hadengue, na sua obra Bouvines, victoire créatrice:

“Os conselhos de guerra estão muito em uso nos estados-maiores dos exércitos da Idade Média. Sem cessar, vêm à pena dos cronistas as mesmas referências a eles.

No século XIII, um chefe militar não comanda, não decide à maneira de um general onipotente.

A sua autoridade é feita de colaboração, de confiança, de amizade. Está em dificuldade? Senta-se ao pé de uma árvore, chama os seus altos barões, expõe os fatos, recolhe as opiniões.

A sua opinião pessoal não prevalece sempre. ‘Cada um diz a sua razão’, como escreve Philippe Mouskès (pp. 188-189)”.