segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Maravilhosa estabilidade do povinho medieval: trabalho sem pressa, sem aflição –crônicas da família

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs









Em geral, as iluminuras da Idade Média representam um operário trabalhando no seu métier, uma dona de casa cozinhando ou costurando, ou um calígrafo no seu pupitre desenhando uma letra.

Em cima tem um passarinho, e o passarinho tem um rolinho de pergaminho no qual se encontra um trecho da Escritura, umas coisas assim.

Todos eles são representados com uma coisa que eu não me farto de admirar quando me cai debaixo dos olhos: o sossego, a estabilidade, a tranquilidade e o gosto de viver na repetição das mesmas coisas, no interior do mesmo ambiente, fazendo o mesmo trabalho que leva longos dias, meses e, às vezes, anos, executado sem pressa, contanto que ele saia perfeito.

Representa mais ou menos o que na ordem material representa a lei da gravidade. 

A lei da gravidade no campo artístico é uma coisa sem valor porque é a força que nos puxa para um elemento vil como é a terra. 

Mas sem a gravidade o mundo todo estaria louco.

E sem este estilo de vida representado nessas iluminuras medievais, o mundo enlouqueceria.

O pequeno burguês, o operário qualificado ou não qualificado, o pedreiro medieval podiam passar cinco anos cinzelando uma volta de uma coluna de uma catedral.

Faziam isso sem pressa, sem aflição, e terminavam o dia na hora em que se reza o Ângelus.

Ele terminava o trabalho do dia, guardava os instrumentos, ia para casa direto, sem estar borboleteando pelas ruas à procura de aventuras, e encontrava a mulher que estava preparando o jantar para ele.

Ele se sentava, os filhos se punham em torno dele, calçava uns chinelões que seriam bons para pés de elefantes, e começava então a doutorar, a contar histórias da família, dos antepassados, da região; depois lê um trecho da Escritura, da vida dos Santos, etc.

E uma coisa tocante era que naquele tempo em toda casa, por mais modesta que fosse, a família escrevia seu livro de história.

Nele se registrava o que aconteceu na família:

Hoje nasceu Carlinhos, filho da Maria e do Pedro pedreiro. Ele é forte, tem não sei o quê... mas nasceu com o nariz torto. Não tinha remédio.

Mais adiante: Fulano e o irmão dele foram despedidos do emprego. Ele foi ato contínuo contratado para ir servir em Valença, no condado de Barcelona. 

Mas ele antes de ir quer fazer uma peregrinação a tal lugar assim da Itália, depois voltará e deve estar em Barcelona em tal data.

Assim, tudo que acontecia iam tomando nota, etc., etc., e de vez em quando, nas longas noites de inverno em que anoitecia cedo e levava muito tempo para o pessoal dormir, lia-se o livro de memórias do passado da família.

Essa estabilidade eu acho maravilhosa.

Essa estabilidade do povinho eu ainda peguei muito, porque em frente minha casa na rua Barão de Limeira havia todo um renque de casas operárias misturadas com as casas das melhores famílias de São Paulo, porque o terreno valia pouco.

Eu via os operários viverem e achava a vida deles muito mais sossegada que a nossa. 

Sempre que eles entravam em casa, entravam pé ante pé, devagar.

Em geral, quando eu era moço, os rapazes da família entravam na minha casa subindo a escada de dois em dois, e mal chegavam acima já iam tirando não sei o quê.

E eu, que sou amigo do sossego, suspirava e dizia: “Afinal, aqueles operários lá não ficaram com o melhor da vida?”

O que havia nessa atitude do povinho medieval?

Era o recolhimento. E a compreensão do nexo com o que há entre o mais alto e mais sobrenatural com as coisas menores e mais sem importância.

Uma dona-de-casa preparando as malas dela — as malas! hoje se viaja com uma mala só, porque os vestidos não ocupam quase volume — para ir passar uma temporada na casa de uma prima.

E ela, enquanto se prepara, se lembra de Nossa Senhora preparando a viagem para visitar Santa Isabel e ficava pensando naquilo, etc., etc.

Depois, antes de ir embora, pede a Santa Isabel que proteja a viagem, vai... assim... tudo isso é densamente impregnado de perfume, de aroma sobrenatural.

(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, 28/2/91. Sem revisão do autor)



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