Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Continuação do post anterior: Siena e seu Palio: relíquia que vibra ainda pelo impulso da vida da Civilização Cristã (1)
Em louvor da Virgem
O Pálio não é apenas uma festa esportiva e guerreira, é também uma comemoração religiosa.
A primeira corrida se realiza no dia 2 de julho, em honra da Madona de Provenzano, e a segunda a 16 de agosto, em louvor de Nossa Senhora da Assunção.
Esta especial devoção dos sienenses para com a Mãe de Deus, a Quem elegeram como Padroeira da cidade, tem origens muito antigas.
Nos tempos do apogeu militar, partindo para a guerra eles ofereciam a Nossa Senhora as chaves das nove portas de Siena, para alcançarem sua proteção no combate.
Em agradecimento pelas vitórias conquistadas, erguiam-lhe capelas e oratórios.
Na véspera da batalha de Monteaperti, dedicaram a cidade a Nossa Senhora da Assunção; a Ela consagraram a catedral.
Nessa época, em que todas as atividades humanas eram vivificadas pelo sopro do Catolicismo, era natural que as próprias comemorações guerreiras tivessem uma nota profundamente religiosa.
Assim, os jogos com que Ferrara celebrava a festa de São Jorge, Bolonha as de São Pedro e São Bartolomeu, e Florença a de São João Batista.
Em Siena — "cidade da Virgem", como era chamada — a principal festa foi durante muito tempo em honra da "Madonna dell’Assunta".
Em fins do século XVI, quando uma terrível fome assolou a região, o povo mais uma vez voltou-se para sua Protetora.
Mas não pôde entrar na catedral para oferecer seus votos, porque dentro havia uma disputa terrível entre os cônegos, e as portas estavam fechadas.
Acorreram então os sienenses a Nossa Senhora de Provenzano, cuja imagem ficava entre duas janelas de uma humilde morada na Via dei Provenzani di Sotto, e que já operara milagres.
A Virgem atendeu aos rogos que lhe foram dirigidos, e afastou o flagelo.
Desde então a solenidade de Nossa Senhora de Provenzano, a 2 de julho, tornou-se a principal festa religiosa de Siena, comemorada também com uma corrida na Piazza del Campo.
Até hoje (embora seja preciso reconhecer que o espírito religioso atual é bem menos intenso que o de antigamente) o Pálio é realizado em louvor de Nossa Senhora.
O único prêmio ao vencedor da corrida é um estandarte, pintado a mão, com a imagem da Madonna de Provenzano ou da Assunção, conforme o caso.
Deste estandarte — em italiano palio — a corrida recebeu o nome com que é conhecida.
A festa é rica em cerimônias e símbolos religiosos: beijo de relíquias pelo jóquei, bênção do cavalo, visita ao Arcebispo, Te Deum comemorativo da vitória, procissão ao Santuário de Nossa Senhora, e muitas outras, peculiares a cada "contrada" (nome dos grupos que tomam parte na corrida).
Espetáculo artístico incomparável
As "contradas" que correm no Pálio têm origem medieval.
Siena, no seu apogeu, era dividida administrativamente em 23 bairros autônomos, dentro de uma mesma muralha, cada qual com seu governo, suas leis, seus padroeiros, sua igreja e seu pequeno território.
Todos eles se uniam debaixo da autoridade do Magistrado da comuna, o qual, do Palácio Público cuja torre domina a cidade e a região, presidia aos destinos comuns.
Estas eram as originais "contradas".
Com o tempo, porém, a administração se unificou e as contradas passaram a ser apenas entidades civis.
Mantiveram contudo certos direitos, que detêm até hoje: cobrar impostos dos cidadãos de seu território, convocá-los para reuniões, realizar comemorações nas ruas e praças, escolher protetores, mesmo entre nobres residindo além de suas divisas, e render homenagem pública a eles.
Desde o século XV as contradas têm tomado parte nas corridas e comemorações populares.
Até hoje isto mantém o ambiente de emulação e entusiasmo que cerca o Pálio.
A princípio eram 23 as concorrentes, mas seis foram supressas, por terem brigado durante a corrida de 1675.
Das 17 que existem atualmente — Águia, Dragão, Girafa, Pantera, Unicórnio, etc. — correm apenas dez em cada Pálio: as sete que não correram na vez anterior e três sorteadas.
No desfile que precede a corrida, cada contrada procura sobrepujar suas rivais pela beleza dos trajes.
Seus representantes — pajens, tambores, porta-bandeiras, capitão, homens de armas, jóquei e treinador — vestem-se à medieval, com as cores da contrada, mas dispostas com tal variedade que não se veem dois padrões iguais.
As diversas contradas exibem combinações de preto e vermelho, amarelo e azul, vermelho e verde, branco, laranja e azul, etc., ora em listras, ora em faixas onduladas, ora em xadrez, e em mil outros desenhos.
Tudo é vida, espontaneidade, exuberância.
As calças dos pajens têm cada perna de uma cor.
E o que poderia dar facilmente em um conjunto demasiado vistoso, quiçá bufo, constitui, graças ao gosto apurado e comedido dessa pequena população de província, uma admirável festa de colorido, de graça, de vivacidade, de alegria.
Diante dessa festa medieval o pobre espectador não pode deixar de sentir ao vivo o contraste com a "austera, apagada e vil tristeza" do mundo moderno.
Continua no próximo post: O Pálio de Siena, relíquia palpitante de vida da Civilização Cristã (3)
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