A condição dos camponeses obrigava à proteção e deixava-os livres para trabalhar a terra de que acabaram ficando donos. Parada histórica em Pisa, Itália. |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
É oportuno notar-se que o nobre está submetido às mesmas obrigações que o servo, porque também em caso algum pode ele alienar o seu domínio, ou separar-se dele de qualquer forma que seja.
Nas duas extremidades da hierarquia encontramos essa mesma necessidade de estabilidade e fixação, inerente à alma medieval, que produziu a França e, de uma maneira geral, a Europa ocidental.
Não é um paradoxo dizer que o camponês atual deve a sua prosperidade à servidão dos seus antepassados, pois nenhuma instituição contribuiu mais para o destino do campesinato francês.
Mantido durante séculos sobre o mesmo solo, sem responsabilidades civis, sem obrigações militares, o camponês tornou-se o verdadeiro senhor da terra.
Só a servidão poderia realizar uma ligação tão íntima do homem à gleba, fazendo do antigo servo o proprietário do solo.
Se permaneceu tão miserável a condição do camponês na Europa oriental — na Polônia e em outros lugares — é porque não houve esse laço protetor da servidão.
Nas épocas de perturbação, o pequeno proprietário responsável pela sua terra, entregue a si próprio, conheceu as mais terríveis angústias, que facilitaram a formação de domínios imensos.
Daí um flagrante desequilíbrio social, contrastando a riqueza exagerada dos grandes proprietários com a condição lamentável dos seus rendeiros.
Se o camponês francês pôde desfrutar até aos últimos tempos uma existência fácil, comparada à do camponês da Europa oriental, não o deve apenas à riqueza do solo, mas também e sobretudo à sabedoria das nossas antigas instituições.
Essas fixaram a sua sorte no momento em que tinha mais necessidade de segurança, e o subtraíram às obrigações militares, as quais pesaram depois mais duramente sobre as famílias camponesas.
As restrições impostas à liberdade do servo decorrem todas dessa ligação ao solo.
O senhor tem sobre ele direito de séquito, isto é, pode levá-lo à força para o seu domínio em caso de abandono, porque, por definição, o servo não pode deixar a terra.
Só é feita exceção para aqueles que partem em peregrinação.
O direito de formariage inclui a interdição de se casar fora do domínio senhorial quem se encontrar adscrito ou, como se dizia, “abreviado”.
Mas a Igreja não deixará de protestar contra esse direito que atentava contra as liberdades familiares, e que se atenuou de fato a partir do século X.
Estabelece-se então o costume de reclamar somente uma indenização pecuniária ao servo que deixava um feudo para se casar num outro.
Aí se encontra a origem desse famoso “direito senhorial” sobre o qual foram ditos tantos disparates, e que não significava nada além do seu direito de autorizar o casamento dos servos.
Na Idade Média tudo se traduz por símbolos, e o direito senhorial deu lugar a gestos simbólicos cujo alcance se exagerou.
Por exemplo, colocar a mão ou a perna no leito conjugal, donde o termo “direito de pernada”, por vezes empregado, que suscitou tantas interpretações deploráveis, além de perfeitamente erradas.
O nobre tinha a obrigação de defender a comunidade de burgueses e camponeses, agindo como militar, policial e guarda-bosques. Parada histórica em Oria, Itália. |
Por isso também essa obrigação foi reduzida desde muito cedo, e o servo ficou com o direito de dispor dos seus bens móveis por testamento (porque a sua propriedade passava de qualquer modo para os filhos).
Além disso, o sistema de comunidades silenciosas permitiu ao servo escapar à mão-morta, conforme o costume do lugar, já que ele podia formar com a família uma espécie de sociedade, como o plebeu, agrupando todos aqueles que pertenciam a um mesmo “pão e pote”.
Como a morte do seu chefe temporário não interrompia a vida da comunidade, continuava esta a desfrutar os bens de que dispunha.
Finalmente, o servo podia ser franqueado.
As franquias multiplicaram-se mesmo a partir do século XIII, já que o servo devia comprar a sua liberdade, quer em dinheiro, quer comprometendo-se a pagar um censo anual como o rendeiro livre.
Temos um exemplo na franquia dos servos de Villeneuve-Saint-Georges, dependente de Saint-Germain-des-Prés, por uma soma global de 1400 libras.
Esta obrigação do resgate explica sem dúvida por que razão as franquias foram muitas vezes aceitas de muito mau grado pelos seus beneficiários.
A ordenação de Luís X, o hutin, que em 1315 franqueou todos os servos do domínio real, deparou em muitos lugares com a má vontade dos “servos recalcitrantes”.
Quando foram redigidos os costumes no século XIV, a servidão só é mencionada nos de Bourgogne, Auvergne, Bourbonnais e Nivernais, e nos costumes locais de Chaumont, Troyes e Vitry. Em todos os demais havia desaparecido.
Algumas ilhotas de servidão muito moderada, que subsistiram aqui e ali, Luís XVI aboliu definitivamente no domínio real em 1779, dez anos antes do gesto teatral que foi a demasiado famosa noite de 4 de Agosto.
Ele convidou os senhores a que o imitassem, pois se tratava de uma matéria de direito privado sobre a qual o poder central não tinha o direito de legislar.
As atas mostram-nos, aliás, que os servos não tinham em relação aos senhores essa atitude de cães espancados, que demasiadas vezes se supôs.
Vemo-los discutir, afirmar o seu direito, exigir o respeito por antigas convenções e reclamar sem rodeios o que lhes era devido.
(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
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