Cozinheiros, vitral da catedral de Chartres |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Pode-se dizer da sociedade atual que ela se fundamenta sobre o salariado. No plano econômico, as relações de homem para homem reduzem-se às relações do capital e do trabalho.
Executar um trabalho determinado, receber em troca uma certa soma, tal é o esquema das relações sociais.
O dinheiro é o nervo essencial delas, pois com raras exceções uma atividade determinada se transforma de início em numerário, antes de se transformar novamente em objeto necessário à vida.
Para compreender a Idade Média, é preciso se afigurar uma sociedade vivendo de modo totalmente diverso, em que a noção de trabalho assalariado, e em parte até mesmo a do dinheiro, são ausentes ou secundárias.
O fundamento das relações de homem a homem é a dupla noção de fidelidade e proteção. Assegura-se a alguém seu devotamento, e em troca espera-se dele segurança.
Não se contrata sua atividade, tendo em vista um trabalho determinado com remuneração fixa, mas sua pessoa, ou antes sua fidelidade. Em retribuição, se oferece subsistência e proteção, no pleno sentido da palavra. Tal é a essência do liame feudal.
Mestre de ofício vai ensinando os aprendizes |
É que, de fato, seu dever de proteção comportava de início uma função guerreira: defender seu domínio contra as invasões possíveis.
Apesar dos esforços em reduzir o direito de guerra privada — tais guerras foram mitigadas pela ação da Igreja, mediante a trégua de Deus e a quarentena — ele ainda subsistia, e a solidariedade familiar podia implicar a obrigação de vingar pelas armas as injúrias feitas a um dos seus.
Acrescenta-se ainda uma questão de ordem material. Detendo a principal, senão a única fonte de riqueza, que era a terra, apenas os senhores tinham a possibilidade de equipar um cavalo de guerra e de armar escudeiros e oficiais.
O serviço militar será pois inseparável do serviço de um feudo, e a fidelidade prestada pelo vassalo nobre supõe auxílio de suas armas, todas as vezes que for necessário. Este é o primeiro encargo da nobreza e um dos mais onerosos: a obrigação de defender o domínio e seus habitantes.
A espada diz: “É minha justiça e encargo guardar os clérigos da Santa Igreja e aqueles que produzem o alimento”.
Os mais antigos castelos, aqueles que foram construídos nas épocas de turbulência e invasões, trazem a marca visível dessa necessidade.
A aldeia e as habitações dos camponeses estão nos arredores da fortaleza, em cujo recinto toda a população irá se refugiar por ocasião de perigo, e onde ela encontrará auxílio e mantimentos em caso de sítio.
Das obrigações militares da nobreza decorre a maior parte dos seus costumes.
O direito de primogenitura vem, em parte, da necessidade de confiar ao mais forte a herança que ele deve garantir, muitas vezes pela espada.
A lei sálica se explica também por isso, pois só um homem pode assegurar a defesa de um castelo (donjon).
Assim pois, quando uma mulher se torna a única herdeira de um feudo, o suserano tem o dever de casá-la.
Eis por que a mulher apenas sucederá após seus filhos mais jovens, e estes após o primogênito.
Estes só receberão apanágios, e ainda assim muitos desastres ocorridos pelo fim da Idade Média tiveram por origem os demasiados apanágios deixados a seus filhos por João, o Bom. O poder foi para eles uma tentação perpétua, e para todos uma fonte de desordem durante a minoridade de Carlos VI.
Os nobres têm igualmente o dever de fazer justiça a seus vassalos de todas as condições e de administrar o feudo.
Trata-se precisamente do exercício de um dever, e não de um direito, implicando em responsabilidades bastante pesadas, pois cada senhor deve dar contas de seu domínio, não somente à sua linhagem, mas também a seu suserano.
Etienne de Fougères descreve a vida do senhor de um grande domínio como cheia de preocupações e de cansaços:
Cá e lá vai, muitas vezes volta,
Não repousa nem descansa.
Perto dos castelos ou longe deles,
Às vezes alegre, quase sempre triste.
Cá e lá vai, não dorme,
Para que seu caminho não se interrompa.
Longe de ser ilimitado, como geralmente se acreditou, seu poder é bem menor do que o de um industrial ou qualquer proprietário de nossos dias, porque ele jamais tinha a propriedade absoluta de seu domínio.
Dependia sempre de um suserano, e os suseranos, mesmo os mais poderosos, dependiam do rei. Em nossos dias, segundo a concepção romana, o pagamento de uma terra dá pleno direito sobre ela.
Na Idade Média não era assim. No caso de má administração, o senhor incorria em penas que podiam chegar ao confisco de seus bens.
Assim, ninguém governa com autoridade completa e não escapa ao controle direto daquele de quem ele depende. Essa repartição da propriedade e da autoridade é um dos traços mais característicos da sociedade medieval.
(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge” - Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
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