São Luís serve aos pobres como se fossem filhos doentes Grandes Chroniques de France. Bibliotèque Nationale, Paris |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Se a sociedade medieval funcionava com um organismo regido por uma vida própria, com uma extraordinária variedade de usos e costumes e uma estonteante autonomia nas leis e normas a todos os níveis, então como se podia exercer a autoridade real sobre um corpo que como que não precisava de cabeça?
O teólogo Henri de Gand vê na pessoa do rei um chefe de família, defensor dos interesses de todos e de cada um.
Tal parece ser bem a natureza da monarquia medieval.
O rei, colocado no topo da hierarquia feudal tal como o senhor na direção do domínio e o pai na chefia da família, é simultaneamente um administrador e um justiceiro.
É o que simbolizam os seus dois atributos — o cetro e a mão da justiça.
Como administrador, o rei tem em primeiro lugar ocasião de exercer o poder diretamente sobre o seu próprio domínio.
Conhece por experiência própria os detalhes administrativos de um feudo e sabe o que pode exigir dos seus vassalos, tendo nesse feudo os mesmos direitos e os mesmos deveres que eles.
Em diversas ocasiões, isto foi importante para o conjunto do reino.
Ora mais ora menos, um vassalo é tentado a imitar o suserano, daí o poder real ter podido dar aos barões exemplos salutares.
As reformas que ele introduzia no seu domínio, mas que não tinha o direito de impor aos outros, difundiam-se muitas vezes ao conjunto do país, como foi o caso da liberdade geral para os servos do domínio, no início do século XIV.
Isto provocava uma emulação benfazeja, da qual a própria realeza por vezes se beneficiava.
Os pequenos senhores feudais imitavam o exemplo paternal e protetor que vinha do rei nacional. Corteo storico em Oria, Itália |
Não se deve, aliás, dar crédito à lenda dos reis falsos moedeiros, que só pode ser confirmada no caso de Filipe, o Belo, e para as épocas das grandes misérias públicas da Guerra dos Cem Anos.
Sobre os domínios senhoriais, o rei possui apenas um poder indireto.
Os barões que dependem imediatamente dele são pouco numerosos, mas todos podem apelar ao rei a propósito do seu suserano, e as ordens que ele dá transmitem-se por uma série de intermediários em todo o reino.
O direito que ele exerce é essencialmente um direito de controle: velar por que tudo o que está prescrito pelo costume seja normalmente executado, manter a “tranquilidade da ordem”.
A esse título ele é o árbitro designado para apaziguar as querelas entre vassalos.
“Se eu os deixasse guerrear, poderiam estabelecer acordo entre si e dizer que o rei só os deixa guerrear devido à sua malícia.
“E poderia acontecer que se voltassem contra mim, pelo ódio que me teriam, portanto seria eu a perder; sem contar que eu conquistaria o ódio de Deus, que considera benditos os apaziguadores”.
Mas o prestígio que lhe confere a unção,* além do elevado comportamento moral da linhagem capetiana, revelam-se singularmente eficazes contra os senhores mais turbulentos.
* - A unção, feita pelo arcebispo de Reims com o óleo da Santa Âmbula aí conservada, consagra a pessoa real. Os primeiros capetianos, para assegurarem a sua sucessão, tomavam o cuidado de mandar ungir os filhos enquanto ainda estavam vivos.
Prova-o suficientemente o exemplo do rei da Inglaterra, declarando que não pode fazer cerco ao local onde se encontra o seu suserano; e também o deste mesmo rei, recorrendo à arbitragem real para regular os seus próprios diferendos com os barões.
(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
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