A sociedade medieval parecia um organismo com vida própria de extraordinária variedade e autonomia |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Quanto mais estudamos a sociedade medieval através dos textos da época, mais ela se apresenta como um organismo completo — repetindo a comparação cara a Jean de Salisbury — semelhante ao organismo humano, possuindo uma cabeça, um coração e membros.
Mais que desigualdades fundiárias, as três “ordens” — clero, nobreza e terceiro estado* — representam um sistema de repartição das forças, de “divisão de trabalho”.
Daí resulta uma sociedade muito compósita, e que pela sua complexidade lembra efetivamente o corpo humano com a sua quantidade de órgãos estreitamente dependentes uns dos outros, e concorrendo todos tanto para a existência como para o equilíbrio do ser, de que todos se beneficiam igualmente.
Esta complexidade de estrutura agrava-se com a extrema variedade dos senhorios e das províncias.
Cada uma possui os seus caracteres, vigorosamente marcados. Os provérbios do tempo sublinham com complacência e malícia esta diversidade.
São pequenas características locais, que de certo modo se notam profundamente nas diferenças que os nossos costumes apresentam entre si:
Os melhores jograis vivem na Gasconha
Os mais corteses, na Provença
Os homens de mais bela aparência, na França
Os melhores arqueiros, no Anjou
Os mais perguntadores, na Normandia
Os melhores comedores de rábanos, no Auvergne
Os mais sarnentos, no Limousin.
Parada com vestimentas históricas, cidadãos de Genova |
É evidente que não havia lugar, na Idade Média, para um regime autoritário nem para uma monarquia absoluta.
As características da realeza medieval adquirem tanto mais interesse quanto mais solução ela trazia para o problema sempre espinhoso das relações do indivíduo com o poder central.
O que é notável à primeira vista é a quantidade de graus que se interpõem entre um e outro.
Longe de serem as duas únicas forças que se articulam, o Estado e o indivíduo só se comunicam através de uma série de intermediários.
O homem na Idade Média nunca é um ser isolado, faz necessariamente parte de um grupo — domínio, associação ou universidade — que assegura a sua defesa quando se mantém no bom caminho.
O artesão, o comerciante, são simultaneamente vigiados e defendidos pelo mestre do seu ofício, que eles próprios escolheram.
O camponês está submetido a um senhor, o qual é vassalo de um outro, este de um outro, e assim sucessivamente até ao rei.
Uma série de contatos pessoais desempenham assim o papel de “tampões” entre o poder central e o “francês médio”, que deste modo nunca pode ser atingido por medidas gerais arbitrariamente aplicadas, e também não tem nada a ver com poderes irresponsáveis ou anônimos como seria, por exemplo, uma lei, um trust ou um partido.
O domínio do poder central está estritamente limitado aos assuntos públicos.
Nas questões de ordem familiar, tão importantes para a sociedade medieval, o Estado não tem o direito de intervir, e pode-se dizer de cada casa que é a “praça-forte” dos que aí vivem, como ainda hoje se diz da home de um inglês.
Parada histórica em Oria, Itália |
Ora, o costume é um conjunto de observâncias, tradições e regulamentos provenientes da natureza dos fatos, não de uma vontade exterior.
Apresenta essa garantia de não ter sido imposto pela força, mas de se ter desenvolvido espontaneamente, de acordo com a evolução do povo, além dessa vantagem de ser indefinidamente maleável, adaptar-se a qualquer fato novo e absorver qualquer mudança.
O respeito que se tem por ele explica por que os reis, durante todo o Antigo Regime, nunca ordenaram sobre o direito privado.
Mesmo no período posterior à Idade Média, nunca legislaram a não ser sobre a forma dos atos da vida privada, não sobre os próprios atos.
Por exemplo, sobre registro das disposições testamentárias, mas nunca sobre o testamento.
Ordenaram a escrituração dos costumes, mas de forma alguma tocaram no direito costumeiro, que sempre esteve fora do seu alcance.
(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
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