terça-feira, 8 de março de 2016

As donas de casa: costumes para cuidar dos lares. Higiene e banho.





Falando dos cuidados vários de uma dona de casa, o Ménagier de Paris recomenda à Beata Agnès, que tem o papel de intendente:

“Ordene às serviçais que, logo de manhãzinha cedo, as entradas da vossa casa — a saber, a sala e os outros locais por onde as pessoas entram e se detêm em casa para conversar — sejam varridas e conservadas limpas; os tamboretes, bancos e xairéis, que estão sobre as arcas, sejam sacudidos e limpos do pó; em seguida os outros quartos sejam limpos e ordenados para esse dia, e de dia para dia, como é próprio do nosso estado”.

Espantar-se-ão talvez de encontrar mencionados nos inventários, como fazendo parte do mobiliário, o fundo-de-banho ou tapete-banheira, espécie de moletom que guarnecia o fundo das banheiras para evitar as farpas, quase inevitáveis quando o fundo é de madeira.

Efetivamente a Idade Média, contrariamente ao que se julga, conhecia os banhos e fazia largo uso deles.



Ainda aqui conviria não confundir as épocas, atribuindo indevidamente ao século XIII a porcaria repelente do século XVI e dos que se lhe seguiram até aos nossos dias.

A Idade Média é uma época de higiene e limpeza. Um dito de uso corrente fala bem daquilo que era considerado como um dos prazeres da existência: Venari, ludere, lavari, bibere, hoc est vivere! (Caçar, jogar, lavar, beber, isto é viver!).

Nos romances de cavalaria, constata-se que as leis da hospitalidade ordenam que se dê um banho aos convidados que chegam de uma longa viagem.

É um hábito corrente, aliás, o de lavar os pés e as mãos quando se entra em casa.

No Ménagier de Paris, sempre se recomenda a uma mulher, para conforto e bem-estar do seu marido, que “tenha um grande fogão para lhe lavar muitas vezes os pés, guarnição de lenha para o aquecer, uma boa cama de penas, lençóis e cobertores, barretes, almofadas, meias e batas limpas”.

Os banhos faziam parte, bem entendido, dos cuidados a dar à pequena infância; Maria de França recorda-o num dos seus lais:

Pelas cidades onde vagueavam,
Sete vezes ao dia repousavam
A criança faziam aleitar
Deitar de novo, e banhar.

Se não se tomava banho todos os dias na Idade Média (seria este um hábito generalizado na nossa época?), pelo menos os banhos faziam parte da vida corrente.

A banheira é uma peça do mobiliário. Não passa muitas vezes de uma simples tina, e o seu nome — dolium, que significa também tonel — pode prestar-se a confusões.

A abadia românica de Cluny, que data do século XI, não comportava menos de doze salas de banho abobadadas, contendo outras tantas banheiras de madeira.

Gostava-se muito de folgar nos rios, no verão, e as Très riches heures du Duc de Berry mostram aldeões e aldeãs lavando-se e nadando num belo dia de agosto, na mais simples indumentária, pois a ideia de pudor de então era muito diferente da que temos hoje em dia: tomava-se banho nu, tal como se dormia nu entre os lençóis.

Existiam banhos ou estufas públicas, e eram muito frequentados.

O Museu Borély, em Marselha, conservou uma tabuleta de banhos em pedra esculpida, que data do século XIII. Paris contava vinte e seis banhos públicos na época de Filipe Augusto, mais do que as piscinas do Paris atual.

Como relata Guilhaume de Villeneuve em Crieries de Paris, todas as manhãs os proprietários dos banhos mandavam “apregoar” pela cidade:

Ouvi o pregão matinal:
Senhores, que vos banhareis
E lavareis sem delongas,
Os banhos estão quentes, acreditem.

Alguns exageravam. No Livre des métiers de Étienne Boileau, prescreve-se: “Que ninguém apregoe nem mande apregoar os seus banhos antes de o dia amanhecer”.

Esses banhos eram aquecidos por meio de galerias e de condutos subterrâneos, procedimento semelhante ao dos banhos romanos.

Alguns particulares tinham mandado instalar em casa um sistema desse gênero.

No palácio de Jacques Cœur, em Bourges, ainda hoje se pode ver uma casa de banho aquecida por condutos muito parecidos com os do moderno aquecimento central, mas trata-se evidentemente de um luxo excepcional para uma casa particular.

É a mesma disposição que se encontrou nos banhos de Dijon, onde as galerias correspondiam a três salas diferentes: a sala de banhos propriamente dita, uma espécie de piscina e o banho de vapor.

Na Idade Média os banhos são acompanhados de banhos de vapor, tal como nos nossos dias as saunas finlandesas, e o nome de estufas que lhes era dado indica suficientemente que uma coisa não era separada da outra.

Os cruzados trouxeram para o Ocidente o hábito de acrescentar a isto salas de depilação, cujo uso aprenderam em contato com os árabes.

Os banhos públicos eram muito frequentados. Podemos mesmo espantar-nos de ver, no século XIII, alguns bispos censurarem as religiosas das cidades latinas do Oriente por irem aos banhos públicos, mas isso prova que, não tendo casas de banho instaladas nos seus mosteiros, elas não deixavam por isso de conservar os seus hábitos de limpeza.

Em Provins, o rei Luís X mandou construir novos banhos em 1309, uma vez que os antigos já não serviam, ob affluentiam populi.

Em Marselha tinha sido regulamentada a sua entrada e fixado um dia especial para os judeus e outro para as prostitutas, para evitar o seu contato com os cristãos e as mulheres respeitáveis.

A Idade Média conhecia igualmente o valor curativo das águas e o uso das curas termais.

No Roman de Flamenca, vê-se uma dama pretextar enfermidades e pedir ao seu médico que lhe prescreva os banhos de Bourbon-l'Archambault, na verdade para poder juntar-se a um belo cavaleiro.

Tudo isto está evidentemente longe das ideias difundidas sobre o asseio na Idade Média, contudo basta confirmá-lo nos documentos que existem.

O erro de avaliação proveio de uma confusão com as épocas que se seguiram, e também de certos textos cômicos que foram indevidamente tomados ao pé da letra.

Langlois fez acerca disto uma observação muito judiciosa:

“Houve quem se espantasse de encontrar no Chastoiement de Robert de Blois certos preceitos de asseio e de conveniência elementares, que podem parecer bem inúteis para damas que não se supõem desprovidas de educação.

“O poeta diz, por exemplo: ‘Não limpem os olhos na toalha, nem o nariz; não bebam demais'. Tais conselhos fazem-nos hoje sorrir, mas o que importa saber é se eles revelam índices da grosseria intrínseca da antiga sociedade de corte, ou se o autor os terá formulado precisamente para provocar o sorriso, e se os homens do século XIII não sorririam disso como nós”. (La vie en France au Moyen Âge, I, p. 161).



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4 comentários:

  1. Ola, trabalho em uma editora, temos uma coleção de livros medievais e queria saber se tem algum contato em que eu pudesse te enviar um release.
    Abçs

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