segunda-feira, 17 de outubro de 2022

A nobreza do campo brilhava pela capacidade de dirigir respeitosamente a vida agrícola

Casamento de de Carlos VIII e Ana da Bretanha
no castelo de Langeais, França
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






A nobreza do campo se encontrava com alguma frequência com a nobreza de cidade.

Mas os desentendimentos entre uns e outros não eram pequenos.

A nobreza da cidade tinha como objetivo a cultura, o brilho e a delicadeza, enquanto a nobreza do campo privilegiava a força, a capacidade de dirigir, de administrar, de conduzir com respeito cerimonioso toda uma população de uma aldeia.

Para a guerra, uns e outros competiam, arriscavam a vida com uma audácia que poderia quase ser chamada de loucura. E que representava, em última análise, a velha tradição heroica da Idade Média.

Para a guerra, nobres do campo e da cidade se vestiam como para as mais belas festas, sabendo que muitos iam morrer. E aqueles que daqui a pouco seriam cadáveres, eram sóis partindo a cavalo para o ataque do adversário.

Castelo de Fontaine-Henry: reencenação histórica
Reencenação histórica no castelo de Fontaine-Henry, França
O bonito era quando, no começo de uma batalha, as filas inimigas se formavam uma em frente da outra, e o general de cada exército passava em revista seu próprio exército. Então era aclamado pelos soldados.

Os franceses, vestidos com a graça e elegância que todos sabem que é a deles, faziam a chamada guerre en dentelles. Dentelles é renda. Guerras de renda.

Eram muitas vezes ainda couraças, porque as armas de fogo da época eram mais fracas e ainda justificavam o uso de couraças refulgentes.

Mas, por cima delas, os nobres usavam golas de seda e rendas, que saíam da altura do pescoço como uma cascata que cobria o aço, cuja refulgência se via através dos movimentos do tecido.

O que é o papel dessas duas nobrezas? Era fazer notar o verso e o reverso da medalha.

O nobre deve ser fino, elegante e leão. Ele deve ser culto, distinto, bon causeur, sabendo conversar agradavelmente.

Mas, ao mesmo tempo, deve ter uma presença que impõe respeito e até medo.

Em volta dos castelos, a nobreza promoveu
uma agricultura de grande qualidade
Não podendo tudo isso rebrilhar cumulativamente numa só pessoa, a não ser em casos muito raros, era preciso que houvesse uma nobreza da força e uma nobreza da graça.

A nobreza da força sabia entrar em discussão, em confronto, luta, com a nobreza da diplomacia, da política, da vida de corte e da direção administrativa dos altos cargos e altos feudos do reino.

Então, como não cabe reunir todas essas qualidades a não ser em pessoas excepcionais, era preciso que houvesse duas nobrezas. E que cada uma tomasse sobre si alguma coisa.

E o conjunto constituía la noblesse d'épée du royame de France.

O país que com mais harmonia soube unir as qualidades da nobreza da terra e da nobreza de cidade foi a Alemanha.

Milhares de nobres com castelos ainda da Idade Média muito conservados e habitados por seus antigos donos, tinham um mundo de pequenos estados em que cada nobre era soberano e vivia quase como um pequeno rei dentro dele.

Não havia apenas pequenos reis, havia nobres de categorias intermediárias.

Festa no castelo de Vaux-le-Vicomte, França
Por essa forma, a nobreza castelã vivia formando sua corte, e sendo o nobre, ele próprio, um pequeno rei do seu pequeno reino ou feudo.

E reunindo numa espécie de miniatura encantadora os traços distintivos de uma nobreza e de outra.

Quem quiser ter ideia como se vivia nesses feudos pode ler um livro francês, escrito por uma fidalga alemã horrivelmente protestante, a Baronesa de Oberkirch.

Essa baronesa fez uma viagem à França de Luís XVI como dama de honra da princesa casada com o príncipe herdeiro da Rússia, portanto, o futuro Czar.

E antes de visitar a França, ela escreveu um pouco sobre Oberkirch e sobre Würtemberg, no qual Oberkirch era uma coisa um pouco mais ou menos como um enclave com certa autonomia própria.

Então ali ela descreve a pequena nobreza alemã vivendo num misto de campo, castelo e palácio que é verdadeiramente um encanto.

(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, palestra em 8/4/94, sem revisão do autor)


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segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Calvário na Normandia

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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No despontar do dia, a luz matutina banha com suavidade os campos verdejantes da Normandia.

Na penumbra de casas seculares que se aninham na colina, o vilarejo começa a despertar ao som do humilde campanário da velha igreja.

A beleza e imponência do edifício tem proporção com a fé dos habitantes.

Almas devotas ali se dirigem para rezar. Antes de voltar à casa, alguns curvam-se com piedade aos pés do artístico cruzeiro de pedra.

A cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, a lembrança de seus sofrimentos no calvário e a prece confiante na misericórdia divina ocupam lugar de relevo na vida desses aldeões, nos quais as asperezas da vida não esmoreceram a fé.

Tal piedade tem um prêmio: todos voltam para suas casas com a paz de alma, a serenidade, a felicidade tranqüila e inalterável da confiança no socorro da Providência.

Calvaire en Normandie, do pintor Pierre Justin Ouvrié (1806-1879), é o título deste quadro rico em evocações de uma era de fé.

(Fonte: W. Gabriel da Silva, “Catolicismo”, fevereiro de 2010)


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segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Placidez no comércio, na produção e nos sindicatos medievais

Luis Dufaur
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Nas águas plácidas deste canal da cidade belga de Gand, refletem-se há séculos as fachadas típicas de alguns prédios da Idade Média e da Renascença.

Prédios que dão uma singular impressão de equilíbrio arquitetônico, pelo contraste harmônico entre sua massa imponente, grave e sólida, e a decoração rica, variada e quase fantasiosa de suas fachadas.

Para que serviram primitivamente estes edifícios tão recolhidos e quase diríamos tão pensativos?

Residências patrícias? Centros de estudos? Não.

Eram ocupados por entidades de cunho corporativo: à extrema direita, a sede da corporação dos Barqueiros Livres; depois, a casa dos Medidores de Grãos, vizinha do pequeno edifício da Alfândega, onde os mercadores medievais vinham declarar suas mercadorias. Em seguida, o Celeiro, e por fim a Corporação dos Pedreiros.

Casas de trabalho e de negócios, pois. E nestas casas a história nos diz que se desenvolveu uma atividade das mais intensas e produtivas.

Mas a produção econômica ainda não estava envolvida pelas influências materialistas de hoje, e por isto ela se fazia num ambiente de calma, de pensamento e de fino gosto.

Não na atmosfera febricitante, trepidante, irrefletida e proletarizante que tantas vezes a marca em nossos dias.

Quem imaginaria para edifícios burgueses tanta nobreza, e para corporações de trabalho tanto bom gosto?

Mais do que um problema de arte, há aqui um problema de mentalidade.

Segundo uma concepção espiritualista, o melhor modo de agir humano se faz com a mente, e por isto a produção econômica dá o melhor de si mesma, como qualidade e até como quantidade, quando feita na calma sem ócio e no recolhimento meditativo.

Segundo uma concepção materialista, vale mais a quantidade que a qualidade, o agir do corpo que o da alma, o corre-corre do que a reflexão, e a superexcitação nervosa do que o pensamento autêntico. E daí a atmosfera vibrante de certas bolsas ou de certas grandes artérias modernas.

* * *

À superexcitação dos ambientes corresponde a dos homens, como o efeito à causa.

"Os síndicos dos mercadores de tecidos", Rembrandt
"Os síndicos dos mercadores de tecidos", Rembrandt
Todos conhecemos este tipo de businessman que masca chicles, rói as unhas, bate com os pés no chão, é hipertenso, cardíaco, nevrótico.

Como é diferente, este tipo, dos burgueses plácidos, estáveis, dignos, prósperos, e de olhar inteligente, que o pincel de Rembrandt nos apresenta no admirável quadro "Os síndicos dos mercadores de tecidos".

Foram homens destes que, com meios de comunicação ainda incertos e lentos, deitaram para todas as direções a rede de suas atividades e lançaram as bases do comércio moderno.

Sua obra, entretanto, foi realizada na tranqüilidade e quase diríamos no recolhimento. Eles ainda espelham a atmosfera peculiar aos antigos prédios que analisamos.

Lição fecunda para nosso pobre mundo, cada vez mais devastado pelas nevroses.



Plinio Corrêa de Oliveira, CATOLICISMO, agosto de 1958



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segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Os reis apoiaram as liberdades e os privilégios municipais

Luís VI

Luis Dufaur
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A realeza dá o exemplo na outorga de liberdades às comunas rurais. A “Carta de Lorris”, concedida por Luís VI, suprime as “corvées”, a servidão; reduz as contribuições, simplifica o processo de justiça; e estipula, além disso, a proteção dos mercados e das feiras:

“Nenhum homem da paróquia de Lorris pagará quaisquer taxas ou direitos por aquilo que é necessário à sua subsistência, nem pelas colheitas feitas por trabalho seu ou de seus animais, nem pelo vinho que obteve de suas vinhas.

“A ninguém será exigida cavalgada ou expedição que não permita voltar no mesmo dia para casa, caso queira.

“Ninguém pagará pedágio para Étampes, Orléans, Milly, Gâtinais e Melun.

“O que tiver sua propriedade na paróquia de Lorris estará isento do seu confisco, se cometer alguma falta, a menos que seja contra Nós ou nossa gente.

“Ninguém que venha às feiras ou ao mercado de Lorris, ou que delas volte, poderá ser preso ou atormentado, a menos que tenha cometido alguma falta nesse dia.

“Ninguém, nem Nós nem outros, poderá impor a “talha” aos homens de Lorris.

“Nenhum dentre eles fará “corvée” para Nós, a não ser uma vez ao ano, e para levar nosso vinho a Orléans e não além.

“Todo aquele que permanecer um ano e um dia na paróquia de Lorris sem que ninguém proteste, e desde que não tenha sido proibido por Nós nem por nosso representante, daquele dia em diante será livre”.
A pequena vila de Beaumont recebe pouco depois os mesmos privilégios, e logo o movimento se delineia por todo o reino.



(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge” - Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)





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segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Proteção e fidelidade: bases das relações no trabalho

Cozinheiros, vitral da catedral de Chartres
Luis Dufaur
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Pode-se dizer da sociedade atual que ela se fundamenta sobre o salariado. No plano econômico, as relações de homem para homem reduzem-se às relações do capital e do trabalho.

Executar um trabalho determinado, receber em troca uma certa soma, tal é o esquema das relações sociais.

O dinheiro é o nervo essencial delas, pois com raras exceções uma atividade determinada se transforma de início em numerário, antes de se transformar novamente em objeto necessário à vida.

Para compreender a Idade Média, é preciso se afigurar uma sociedade vivendo de modo totalmente diverso, em que a noção de trabalho assalariado, e em parte até mesmo a do dinheiro, são ausentes ou secundárias.

O fundamento das relações de homem a homem é a dupla noção de fidelidade e proteção. Assegura-se a alguém seu devotamento, e em troca espera-se dele segurança.

Não se contrata sua atividade, tendo em vista um trabalho determinado com remuneração fixa, mas sua pessoa, ou antes sua fidelidade. Em retribuição, se oferece subsistência e proteção, no pleno sentido da palavra. Tal é a essência do liame feudal.

Mestre de ofício vai ensinando os aprendizes
Durante toda a Idade Média, sem esquecer sua origem territorial, senhorial, esta nobreza teve uma conduta sobretudo militar.

É que, de fato, seu dever de proteção comportava de início uma função guerreira: defender seu domínio contra as invasões possíveis.

Apesar dos esforços em reduzir o direito de guerra privada — tais guerras foram mitigadas pela ação da Igreja, mediante a trégua de Deus e a quarentena — ele ainda subsistia, e a solidariedade familiar podia implicar a obrigação de vingar pelas armas as injúrias feitas a um dos seus.

Acrescenta-se ainda uma questão de ordem material. Detendo a principal, senão a única fonte de riqueza, que era a terra, apenas os senhores tinham a possibilidade de equipar um cavalo de guerra e de armar escudeiros e oficiais.

O serviço militar será pois inseparável do serviço de um feudo, e a fidelidade prestada pelo vassalo nobre supõe auxílio de suas armas, todas as vezes que for necessário. Este é o primeiro encargo da nobreza e um dos mais onerosos: a obrigação de defender o domínio e seus habitantes.

A espada diz: “É minha justiça e encargo guardar os clérigos da Santa Igreja e aqueles que produzem o alimento”.

Os mais antigos castelos, aqueles que foram construídos nas épocas de turbulência e invasões, trazem a marca visível dessa necessidade.

A aldeia e as habitações dos camponeses estão nos arredores da fortaleza, em cujo recinto toda a população irá se refugiar por ocasião de perigo, e onde ela encontrará auxílio e mantimentos em caso de sítio.

Cheverny, armaduraDas obrigações militares da nobreza decorre a maior parte dos seus costumes.

O direito de primogenitura vem, em parte, da necessidade de confiar ao mais forte a herança que ele deve garantir, muitas vezes pela espada.

A lei sálica se explica também por isso, pois só um homem pode assegurar a defesa de um castelo (donjon).

Assim pois, quando uma mulher se torna a única herdeira de um feudo, o suserano tem o dever de casá-la.

Eis por que a mulher apenas sucederá após seus filhos mais jovens, e estes após o primogênito.

Estes só receberão apanágios, e ainda assim muitos desastres ocorridos pelo fim da Idade Média tiveram por origem os demasiados apanágios deixados a seus filhos por João, o Bom. O poder foi para eles uma tentação perpétua, e para todos uma fonte de desordem durante a minoridade de Carlos VI.

Os nobres têm igualmente o dever de fazer justiça a seus vassalos de todas as condições e de administrar o feudo.

Trata-se precisamente do exercício de um dever, e não de um direito, implicando em responsabilidades bastante pesadas, pois cada senhor deve dar contas de seu domínio, não somente à sua linhagem, mas também a seu suserano.

Etienne de Fougères descreve a vida do senhor de um grande domínio como cheia de preocupações e de cansaços:

Cá e lá vai, muitas vezes volta,
Não repousa nem descansa.
Perto dos castelos ou longe deles,
Às vezes alegre, quase sempre triste.
Cá e lá vai, não dorme,
Para que seu caminho não se interrompa.

Longe de ser ilimitado, como geralmente se acreditou, seu poder é bem menor do que o de um industrial ou qualquer proprietário de nossos dias, porque ele jamais tinha a propriedade absoluta de seu domínio.

Dependia sempre de um suserano, e os suseranos, mesmo os mais poderosos, dependiam do rei. Em nossos dias, segundo a concepção romana, o pagamento de uma terra dá pleno direito sobre ela.

Na Idade Média não era assim. No caso de má administração, o senhor incorria em penas que podiam chegar ao confisco de seus bens.

Assim, ninguém governa com autoridade completa e não escapa ao controle direto daquele de quem ele depende. Essa repartição da propriedade e da autoridade é um dos traços mais característicos da sociedade medieval.

(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge” - Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)


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