Falando dos cuidados vários de uma dona de casa, o Ménagier de Paris recomenda à Beata Agnès, que tem o papel de intendente:
“Ordene às serviçais que, logo de manhãzinha cedo, as entradas da vossa casa — a saber, a sala e os outros locais por onde as pessoas entram e se detêm em casa para conversar — sejam varridas e conservadas limpas; os tamboretes, bancos e xairéis, que estão sobre as arcas, sejam sacudidos e limpos do pó; em seguida os outros quartos sejam limpos e ordenados para esse dia, e de dia para dia, como é próprio do nosso estado”.
Espantar-se-ão talvez de encontrar mencionados nos inventários, como fazendo parte do mobiliário, o fundo-de-banho ou tapete-banheira, espécie de moletom que guarnecia o fundo das banheiras para evitar as farpas, quase inevitáveis quando o fundo é de madeira.
Efetivamente a Idade Média, contrariamente ao que se julga, conhecia os banhos e fazia largo uso deles.
O elemento essencial da casa medieval, sobretudo no norte da França, é a sala comum em que se reúne toda a família nas horas das refeições, e que preside a todos os acontecimentos: batismos, casamentos, velório dos mortos.
Na sala se vive, nela a família se reúne à noite diante da grande lareira, para se aquecer e contar histórias antes de ir para a cama. Isto se repete tanto nas casas dos camponeses como nos castelos.
Os outros compartimentos são apenas acessórios, o importante é a sala familiar, que os franco-canadenses chamam ainda “viveiro” (le vivoir).
Quando o nível da casa o exige, a cozinha é separada. Por vezes mesmo, nos castelos, ocupa um edifício à parte, sem dúvida para limitar os riscos de incêndio.
As vastas cozinhas de mitra da abadia de Fontevrault, as do palácio dos duques de Borgonha, em Dijon, permaneceram como eram.
Além das múltiplas salas de guarda, salas de aparato e outras que uma residência senhorial pode comportar, a casa burguesa inclui as oficinas de trabalho, se for o caso, e os quartos.
Os banheiros e higiene pessoal
Para entrar em todos os pormenores, encontramos adjacentes aos quartos os redutos chamados longaignes ou privadas, que costumamos designar como W.C.
Por espantoso que possa parecer, não faltava em nenhuma casa da Idade Média aquilo de que Versalhes estava desprovido.
A delicadeza ia mesmo muito longe neste aspecto, pois parecia pouco refinado não possuir as suas privadas particulares.
A regra manda que, pelo menos nas casas burguesas, cada um tenha as suas e seja o único a usá-las.
Os costumes só se tornaram grosseiros neste ponto a partir do século XVI, quando foram desprezadas quase todas as práticas de higiene que a Idade Média conhecia.
A abadia de Cluny, no século XI, não contava menos de quarenta latrinas.
O que poderá parecer mais incrível, embora seja igualmente verdadeiro, é que as latrinas públicas existiam na Idade Média.
Temos provas disso em cidades como Rouen, Amiens, Agen. A sua instalação e manutenção eram objeto de deliberações municipais ou entravam nas contas da cidade.
Nas casas particulares, as privadas situavam-se muitas vezes no último andar.
Banho na Idade Média.
Um conduto ao longo da escada corresponde aos esgotos ou vazadouros, ou ainda a fossas muito semelhantes às usadas atualmente.
Utilizava-se mesmo cinzas de madeira, um procedimento parecido com o das mais modernas fossas sépticas, pois têm a propriedade de decompor os detritos orgânicos.
Documentos mencionam a compra de cinzas destinadas às latrinas do hospital de Nîmes, no século XV.
No palácio de Avignon, os condutos desaguavam num esgoto que ia dar no Sorgue.
E sabe-se que foi penetrando pelas fossas das privadas — o único ponto que não se tinha pensado em fortificar! — que os soldados de Filipe Augusto se apoderaram da fortaleza de Château-Gaillard, orgulho de Ricardo Coração-de-Leão.
A mobília
Os quartos eram mobiliados com mais conforto do que geralmente se crê. O mobiliário compreende as camas “bem adornadas e cobertas de colchas e de tapetes, com lençóis brancos e peles” (Cf. Le Ménagier de Paris.), tamboretes, cadeiras de espaldar alto e esses baús e cofres esculpidos onde se guarda a roupa, de que se podem ver ainda belos espécimes nomeadamente no hospício de Beaune.
As madeiras dessa época são muito belas. Preparadas e enceradas devidamente, não absorvem a poeira e são um mau alvo para os insetos. Há ainda as arcas para o pão, os aparadores e guarda-louças.
Quanto às mesas, são simples tábuas que se montam sobre cavaletes no momento de servir, e que se guardam depois junto às paredes para não estorvarem.
Em contrapartida, faz-se muito uso de panos e tapeçarias, que protegem do frio e abafam as correntes de ar. As que nos restam — por exemplo, o admirável conjunto da Dame à la licorne, conservado no Museu de Cluny — dizem bem que partido delas se podia tirar para mobiliar e decorar os interiores;
Trata-se, evidentemente, de um luxo reservado aos castelãos e aos ricos burgueses, mas o hábito de usar tapetes e xairéis (espécie de coberturas) era geral.
(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs
Sabe-se na Idade Média que não existe conforto sem paredes espessas servindo de proteção.
Segundo os recursos do local, são construídas em tijolo ou em pedra talhada, no caso dos ricos.
Na maior parte dos casos, mistura-se madeira e adobe, como acontece um pouco por toda parte até aos nossos tempos.
Constrói-se no chão toda a armadura da fachada, em vigas sabiamente unidas umas às outras.
A seguir procede-se de uma só vez ao levantamento, com a ajuda de cabrestantes, macacos e polés, para depois se guarnecer os interstícios com tijolos ou com o material usado na região.
As igrejas que nos restam dão em geral a nota do aspecto das casas.
No Languedoc triunfa o tijolo rosa, que dá um brilho tão particular às igrejas de Toulouse ou de Albi.
Kayserberg, na Alsácia, França.
Em Auvergne constrói-se em pedra, aquela sombria pedra de Volvic de que a catedral do Puy ou a de Clermont-Ferrand fornecem imponentes exemplos.
Nas regiões de terra argilosa, como no Midi provençal, casas e monumentos são cobertos de telhas, que tomaram ao sol essa cor de mel tão característica em aldeias como Riez ou Jouques.
Na Borgonha a telha é de preferência envernizada, rebrilhando os telhados em cores ofuscantes, como no hospício de Beaune e Saint-Bénigne de Dijon.
Na Touraine, no Anjou, utiliza-se a ardósia extraída na região.
E quando as igrejas não são abobadadas, apenas emadeiradas como acontece frequentemente no norte e em torno da bacia parisiense, é porque as florestas, mais numerosas do que as pedreiras, tornavam este modo de revestimento mais econômico.
Nessas regiões, as residências dos particulares eram quase sempre cobertas de colmo, mesmo na cidade, o que não deixava de aumentar os riscos de incêndio.
Leis municipais ditadas pelo costume e os usos locais
Beehive Cottage, em Lyndhurst. Grã-Bretanha. Exemplo de casa camponesa.
Um pouco em toda parte, as autoridades municipais prescreviam aos habitantes medidas de prudência para evitar os sinistros.
O toque de recolher não tinha outra razão de ser.
Em Marselha recomenda-se aos armadores, quando procedem à brusque (operação que consiste em aquecer a quilha do navio em construção, para o besuntar mais facilmente de pez), que vigiem a chama para esta não ultrapassar uma certa altura.
Dizem os estatutos da cidade: “Nem sempre está ao alcance do homem conter as chamas que ele próprio ateou”.
Após um incêndio que ocorreu em Limoges em 1244, destruindo vinte e duas casas, mandou-se construir vastos reservatórios de água, aonde os burgueses se vinham abastecer em caso de alerta.
Quando se declarava um incêndio, era dever de todos acorrer com um balde d’água ao toque a rebate.
Toda a gente devia colocar outro balde diante da porta de casa, por precaução.
(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
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A realeza dá o exemplo desse movimento pela outorga de liberdades às comunas rurais.
A “Carta de Lorris”, concedida por Luís VI, suprime as “corvées”, a servidão; reduz as contribuições, simplifica o processo de justiça; e estipula além disso a proteção dos mercados e das feiras:
“Nenhum homem da paróquia de Lorris pagará quaisquer taxas ou direitos por aquilo que é necessário à sua subsistência, nem pelas colheitas feitas por trabalho seu ou de seus animais, nem pelo vinho que obteve de suas vinhas.
“A ninguém será exigida cavalgada ou expedição que não permita voltar no mesmo dia para casa, caso queira.
“Ninguém pagará pedágio para Étampes, Orléans, Milly, Gâtinais e Melun.
“O que tiver sua propriedade na paróquia de Lorris estará isento do seu confisco, se cometer alguma falta, a menos que seja contra Nós ou nossa gente.
“Ninguém que venha às feiras ou ao mercado de Lorris, ou que delas volte, poderá ser preso ou atormentado, a menos que tenha cometido alguma falta nesse dia.
“Ninguém, nem Nós nem outros, poderá impor a “talha” aos homens de Lorris.
“Nenhum dentre eles fará “corvée” para Nós, a não ser uma vez ao ano, e para levar nosso vinho a Orléans e não além.
“Todo aquele que permanecer um ano e um dia na paróquia de Lorris sem que ninguém proteste, e desde que não tenha sido proibido por Nós nem por nosso representante, daquele dia em diante será livre”.
A pequena vila de Beaumont recebe pouco depois os mesmos privilégios, e logo o movimento se delineia por todo o reino.
(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
Nas ruidosas cidades medievais, onde fervilhava uma população incessantemente atarefada, a voz dos sinos contava as horas, e também isso fazia parte do “fundo sonoro”.
O ângelus — de manhã, ao meio-dia e à noite — marca as horas de trabalho e de repouso, desempenhando o papel das modernas sirenes de fábrica.
O sino anuncia os dias de festa, chama por socorro em caso de alarme, convoca o povo para a assembleia geral, ou os almotacés para o conselho restrito, toca a rebate de incêndio, dobre de finados, carrilhões de festas.
Pela sua voz, pode-se seguir a vida da cidade durante todo o dia, até soar à noite o recolher.
Na noite
Extinguem-se então as luzes das lojas, os clarões dos assadores; recolhem-se os telheiros, fecham-se os portões; quando se teme qualquer surpresa, fecha-se a cidade e as suas portas, levantam-se as pontes levadiças e baixam-se as grades.
Por vezes é suficiente colocar correntes atravessando as ruas, o que tem igualmente a vantagem, nos bairros mal afamados, de cortar a retirada aos malandros.
Clique para ouvir o carilhão das horas da catedral de Paris :
Só permanecem iluminados os pavios que dia e noite pestanejam diante das estatuetas da Virgem e dos santos abrigadas em nichos na esquina das casas, e diante dos Cristos no cruzamento das ruas.
Se Antero de Figueiredo houvesse feito pela causa da Revolução, e especialmente pela do comunismo, todo o bem que fez pela Igreja, seria ainda hoje, no Brasil, um escritor famoso.
Todas as oficinas de popularidade que a esquerda tem tão numerosas e ativas, celebrariam amiúde a original beleza de seu estilo, a sua "verve", seu pensamento profundo, substancioso e límpido, bom como a finura de seu senso de observação.
E numerosos críticos católicos, da cátedra e da imprensa, diriam encomplexados e enfáticos: "quanto a esse grande, esse imortal escritor, embora não tenha eu bem precisamente suas idéias, compraz-me em reconhecer e proclamar com a mais intransigente imparcialidade que teve de sobejo as seguintes qualidades...", e viria em continuação a cantilena laudatória copiada com humildade e precisão dos textos da propaganda subversiva.
Talleyrand nos conta nas memórias dele, o que acontecia no castelo da avó dele, a Princesa de Chimay.
Chimay é um grande título da Bélgica.
Ser Princesa de Chimay era quase como que ser Grã-Duquesa de Luxemburgo, quer dizer, uma soberana independente, de um pequeno feudo.
Quando chegava aos domingos, ela primeiro ia à Missa na capela do castelo. As pessoas pobres da zona que quisessem assistir à Missa iam para o castelo e também assistiam.
Depois da Missa, a princesa ia, acompanhada da pequena nobreza local – portanto, nobreza autêntica mas muito inferior à dos príncipes de Chimay –, para a sala onde ela, a bem dizer, reinava como rainha.
O castelo de Chimay numa iluminura
Ela tinha uma espécie de trono sobre um estrado. Ela subia lá, podia haver uma pequena música militar que a banda tocava enquanto ela passava da capela do castelo para a essa sala.
Os pequenos nobres iam levando as coisas necessárias para a princesa exercer suas atividades curativas.
Um levava panos para passar ungüentos, outros levava uma maleta com remédios, outro levava uma caixa com tesouras e outras coisas que facilitavam alguma pequena intervenção como que cirúrgica.
E a princesa sentada no trono e olhando com bondade para aquele povo que estava lá.
O povo olhava como estava vestida a princesa, como é que ela fazia, como estavam vestidos os parentes dela.
Eles sabiam que a moda mudou vendo os fidalgos pequenos e grandes mudarem de vestidos e de roupas. Viam como se conversava elegantemente, acompanhavam os gestos e a gesticulação da conversa, etc.
Depois começava o desfile das misérias.
Os doentes e os pobres iam passando, ela ia perguntando por que é que não veio tal parente do pobre, se ele melhorou, se não melhorou, mandava lembranças, mandava um pequeno presente, ou então mandava um conselho para fazer tal ou tal coisa para melhorar, etc.
A atual princesa de Chimay recebe simpaticamente os visitantes no castelo
Os populares que podiam, traziam também pequenos presentes.
Às vezes eram petiscos, pães saborosos, leite, ovos, galinhas, porquinhos, frutas, legumes.
E a Princesa de Chimay aproveitava a ocasião para dar esses presentes aos que estavam mais necessitados ou mais fracos.
Isso levava tempo. Quando terminava, os nobres iam todos para a sala de jantar da nobreza.
E na copa e cozinha, e ainda em outras dependências, era a grande festa dos pobres que quisessem ficar para tomar sua refeição pela generosidade da princesa.
Depois isto tudo se dissolvia e o castelo voltava ao seu silêncio majestoso, na paz e no contentamento de alma de todos.
(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, palestra em 8/4/94, sem revisão do autor)
Luis Dufaur Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs Na...
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Civilização Cristã: triunfo do Evangelho em toda a vida
"O que é uma civilização cristã senão aquela em que todas as esferas da vida pública e privada, os costumes, as instituições, a cultura, a arte, a economia, a política e as leis recebem o influxo do Evangelho?"