Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
O povo medieval legislava elaborando as leis consuetudinárias.
Consuetudo é uma palavra latina que significa costume. A lei consuetudinária não era feita por legisladores encerrados num Parlamento.
A lei consuetudinária registrava no papel os costumes criados por todas as categorias sociais na vida de todos os dias.
Essas leis eram guardadas na mente dos populares. Os anciões eram seus guardiões mais zelosos.
Quando a necessidade impunha, essas leis orais eram escritas em pergaminhos. Estes eram guardados como tesouros.
As leis consuetudinárias eram verdadeiros compêndios de sabedoria popular.
Nem o rei, nem o nobre, nem os eclesiásticos podiam ir contra o costume, desde que não violasse a Lei de Deus e os demais costumes já existentes. O resultado era que o povo medieval tinha um grau de autonomia insuspeitado.
Pouco antes da Revolução Francesa, quer dizer, já bem depois da Idade Média, ainda a metade do país era regido por códigos de leis consuetudinárias orais, não escritas.
A outra metade, por códigos escritos de leis também consuetudinárias mescladas com leis nacionais editadas pelos reis absolutos pós-medievais. Acresce que em certas regiões havia superposição de códigos escritos e leis orais.
Pode parecer confusão, mas na prática era uma fonte de liberdade e aconchego legal insuspeitável que contribuiu muito à "doucer de vivre" francesa: a "doçura de viver", a vida fácil e larga sem muitos constrangimentos legais ou burocráticos.
Entre as primeiras coisas que fez a Revolução Francesa foi abolir esses sistemas consuetudinários.
Tudo ficou sendo decidido por legisladores "iluminados" na capital, desconectados da vida real local.
Foi Napoleão que impôs seu Côdigo de leis a todo o país: a vontade omnímoda central do imperador-soberano passou por cima de tudo.
Muitos países "democráticos" passaram a imitar o Código de Napoleão. Brasil entre eles.
Mas, voltando às leis consuteudinárias medievais, o que acontecia era que na vida quotidiana de povos que aspiravam à perfeição, o bom costume aceito pelo conjunto virava lei.
Violar essa lei, ainda no periodo que não estava transcrita, soava como gesto de insensato.
Grande parte das leis existentes na Idade Média era fruto de costumes repetidos que se transformaram em norma.
Esta variava de feudo para feudo, como por exemplo, o modo de passar recibo, de legar herança, como também as leis de compra e venda de mercadorias, etc.; porque tudo nascia dos costumes do povo.
As leis sobre comércio, indústria e trabalho nasciam das relações de trabalho.
Dessa maneira, a lei estava adatada à realidade e todos se sentiam a vontade praticando-a até de modo exemplar.
O povo então amava a lei e até se regozijava com ela ponderando sua cordura, moderação e seus infinitos jeitinhos.
Os Reis apenas ordenavam que fossem escritas, reviam e corrigiam o que fosse injusto ou contrário à doutrina e à lei da Igreja.
Era uma participação efetiva no direito de legislar, de que gozava o povo na Idade Média.
A lei consuetudinária começou a ser desrespeitada pelo absolutismo real que apareceu durante a decadência da era medieval.
O menosprezo aumentou com os déspotas esclarecidos inspirados pelo Iluminismo revolucionário após a Idade Média.
A Revolução Francesa consagrou o sistema de legisladores e teorizadores democráticos que legislam longe da realidade. Então a lei escrita foi se descolando da vida concreta.
Sob certos aspectos, virou para muitos uma espécie de flagelo do qual até os cidadãos honestos não querem apanhar e tentam fugir.
Tal é o caso da escalada devoradora dos impostos e as impenetráveis Babéis da burocracia moderna.
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