Abbaye Sylva Plana, Le Songe de l'Abbé, faugères; Domaine de l'abbaye du Petit Quincy, chablis; Le Clos du Cellier aux Moines Fundo: antiga abadia de Paray-le-Monial |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Os vinhedos da Gália do tempo dos romanos – que inclui a França, mas partes de outros – foram plantados pelos legionários durante suas guerras de conquista no século I.
Eles tinham uma muito grande sofisticação na produção, escreveu o especialista em vinhos Marcel Larchiver em seu livro de referência “Vinhos, vinhas e vinhateiros”:
“Para os romanos, o vinho era ao mesmo tempo um objeto de comércio e de luxo, mas também um néctar divino do qual lhes parecia impossível renunciar. Por isso, o vinhedo era rodeado de todos os cuidados”.
Porém, o Império Romano veio abaixo no século V e a anarquia e os saques das hordas bárbaras destruiram a plantação.
Foi nessa época de caos, morte e destruição que se desenvolveu o apostolado da Igreja Católica.
Já desde o século IV a Igreja estimulava o desenvolvimento das vinhas. Em primeiro lugar porque o vinho era necessário para a consagração na Missa e para a Comunhão.
Os bispos fundaram importantes vinhedos, e esta obra contribuiu a fortalecer sua imagem ante o povo.
Mas vieram também os mosteiros. Na França medieval havia mais de um milhar de mosteiros masculinos entre os quais 250 abadias cistercienses e mais de 400 abadias beneditinas.
O vinho também era necessário para fortalecer os numerosos peregrinos que batiam nas portas das abadias para pedir hospedagem e alimentação gratuita após longas jornadas de caminhada.
O vinho que os medievais apreciavam também tinha efeitos benéficos para a saúde e era usado para tratar os doentes.
A abadia de Cîteaux foi fundada em 1098 e adquiriu em 1100 um terreno então desconhecido, mas onde hoje se faz o famosíssimo Vougeot. Ali, os monges plantaram uma vinha hoje universalmente cobiçada.
Abbaye de Valmagne, Coteaux du Languedoc; Domaine da abadia du Petit Quincy; Corbières Deo Gratias, abadia de Corbières. Fundo: abadia na Aquitânia |
Nasceu assim o Clos (fechado) de onde o nome Clos Vougeot.
Os leigos intercalavam as vinhas com árvores frutíferas para completar os lucros.
Mas, os monges interditaram absolutamente esse costume para não empobrecer a terra e evitar a sombra sobre as uvas.
Eles se empenharam em selecionar as melhores cepas, requintar o processo de vinificação e definir os melhores locais.
Nasceram assim mais de uma centena de “appellations” francesas que são de origem puramente monástico.
Os monges viajavam muito e trocavam informações sobre técnicas por via oral, por isso faltam registros sobre o assunto.
Eles ensinavam aos populares como fazer sem receber nada em troca, salva a gratidão que o povo foi manifestando a seus benfeitores.
O prestígio dos vinhedos monacais atravessou as fronteiras francesas. Um certo Dom Denise, monge italiano ingressou num mosteiro da Borgonha só para roubar o segredo do vinho.
O fruto de sua espionagem ficou registrado numa “Memória” que acabou sendo descoberta numa biblioteca de Florença há uma década.
O documento demostra que os eclesiásticos reclusos haviam desenvolvido a ponta da técnica e que seus métodos não perderam um milímetro de atualidade.
Le Clos du Cellier aux Moines; Abbaye de Valmagne, Coteaux du Languedoc; Deo Gratias, abadia de Corbières; Abbaye Sylva Plana, Le Songe de l'Abbé. Fundo: abadia de Royaumont, Ile de France. |
Porém, a torpeza da Revolução Francesa golpeou a própria base desta paciente construção: a propriedade.
As abadias de Cluny e Cîteaux foram arrasadas e todos os bens da Igreja foram confiscados, depredados e vendidos a vil preço.
Alguns desses vinhedos haviam sido vendidos a particulares em tempos anteriores em circunstâncias diversas.
Foi o caso do vinhedo que produz um vinho cujo simples nome faz sonhar os especialistas: o de Romanée cedido em 1631, e o de Clos de Bèze em 1651.
Ainda hoje há vinhos abaciais produzidos por sucessores dos compradores dos vinhedos monásticos durante os desmandos democráticos revolucionários.
Os dias atuais exigem objetivos de rentabilidade que nem passavam pela cabeça dos monges que aspiravam à eternidade.
Mas, o exemplo dos religiosos medievais ainda exerce boa influência.
Como diz um dos atuais proprietários, citado por “Le Figaro”: “num local como este não há opção: nós temos a obrigação de fazer o melhor”.
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