A origem do Tributo
As executórias do Vale descrevem este velho direito com as seguintes palavras:
“Não é fácil que em Navarra, e em algum outro reino ou província, encontre-se honra tão singular como a que reside no Vale de Roncal de receber o tributo desde tempo muito antigo (dos habitantes) do Vale de Baretous, seus vizinhos, vassalos do Rei Cristianíssimo (da França), de três vacas da mesma dentadura, pelagem e cornadura, que entregam todos os anos no limite, confim e divisão dos dois reinos; e o preito de homenagem que lhe prestam os de Baretous de manter paz e subordinação aos roncaleses; e se em alguma ocasião foi-lhes recusada alguma das três vacas por defeito de uma das três qualidades, foram substituídas de noite na praça de Isaba, evitando a vergonha de serem vistos nessa ação, sem que o préstimo que os franceses tiveram na Espanha pudesse obter-lhes a dispensa de tributo tão notável”.
Vestido de El Roncal no dia do Queijo |
Alguns autores remontam sua origem à invasão címbrica, um século e quarto antes de Jesus Cristo.
Segundo esta improvável versão, os címbrios teriam encontrado um aliado contra os roncaleses nos habitantes de Baretous, e a derrota dos invasores e de seus supostos aliados teria acarretado a estes a submissão e tributo perpétuo a seus vizinhos.
Parece, porém, mais verossímil localizar sua origem na Alta Idade Média, na qual não eram raros tributos desse gênero, de comarca para comarca.
É freqüente entre os franceses atribuir ao tributo uma antiguidade não maior que de quatro séculos, situando sua origem nas guerras de 1373 entre ambos vales, das quais datam os primeiros documentos escritos sobre o mesmo.
Mas se a anterior versão é arriscada, esta é claramente errônea. A causa dessa pequena guerra foi precisamente que o tributo tinha, injustificadamente, deixado de ser pago, o que originou um estado de violência entre os roncaleses e seus vizinhos. Tal tensão deu ocasião ao incidente da guerra.
Um dia encontraram-se um vizinho de Isaba, Pedro Carrica, e um baretonês, Pierre Sansoler, junto de uma fonte que fica no alto da marca, do lado espanhol da fronteira.
Antigo vestido do vale |
E, como a condição para a boa amizade e tolerância fronteiriça era o pagamento do tributo, os roncaleses não estavam dispostos a cederem em nada o seu direito.
Entabulou-se uma refrega, na qual resultou morto o bearnês.
Ao saber da desgraça acontecida com seu filho, o pai de Pierre pediu vingança aos prefeitos de Baretous, o que ocasionou uma expedição, a mando de Anginar Sansoler, primo do morto, que se pôs a caminho da marca, na qual esperavam encontrar Carrica com seu gado; mas não o encontrando, desceram para Belágua.
Na planície depararam-se com a mulher de Carrica, que estava grávida, carpindo uma lavoura. Os baretoneses perguntaram-lhe por seu marido, e, quando ela respondeu que nada sabia, precipitaram-se contra ela e a mataram, assanhando-se depois com seu cadáver.
Antigas vestimentas roncalesas |
Pedro Carrica deu de frente com a mulher de Sansoler, que ali estava aterrorizada, protegendo seu filho com seus braços. “Se bem deveria matar-te - disse-lhe -, como teu marido matou minha mulher, vou perdoar tua vida e a de teu filho, e a de um homem que escolhas para que cuide de ambos”.
Ela escolheu um seu irmão, que foi respeitado; e Sansoler com todos os demais homens presentes, foram degolados.
Entretanto, uma criada conseguira burlar a vigilância e dera aviso ao povoado de Arette. Os de Arette ocultaram-se num lugar pelo qual tinham que voltar os roncaleses e, à medida que estes passavam, foram apunhalando-os silenciosamente na escuridão.
Igreja de Burguete, no vale de El Roncal |
Alarmados, os soberanos de ambos países tentaram restabelecer a paz, ordenando a um e outro vale que submetessem suas querelas à autoridade superior. Os dois soberanos - Carlos II, da Navarra, e Gastão, príncipe do Bearn - reuniram-se na vila de Ansó e convocaram dois Bispos de cada parte.
Mas estas tentativas foram inúteis: os vales persistiram em sua cruenta luta, que culminou na batalha de Aguincea. Até há pouco tempo, quando foi roubada, uma velha estela funerária lembrava, na marca grande, as vitimas dessa batalha.
Afinal, os baretoneses cederam e enviaram um emissário aos rancaleses pedindo uma trégua e propondo submeterem-se à arbitragem da vila aragonesa de Ansó.
Os roncaleses aceitaram, e, depois de um juízo oral em que ambos os vales expuseram seus agravos e demandas, o tribunal estabeleceu que podiam considerar-se equivalentes os danos sofridos, mas que o Vale de Roncal tinha razão ao exigir ao de Baretous o pagamento do tributo, e que, por conseguinte, os baretoneses deveriam comprometer-se a pagá-lo daí por diante.
Fixou-se como data a de 13 de julho, e, aceita por ambos a sentença, as vilas de Ansó e Olorón ficaram como fiadoras diante dos roncaleses, e ofereceram como penhor sua igreja paroquial e sua catedral, respectivamente.
Desde então o tributo não foi seriamente interrompido até nossos dias. Em 1794, em plena guerra da Convenção entre Espanha e França, os baretoneses deixaram de pagá-lo.
Meninas com vestidos do Vale. |
Em época próxima, no último ano da Guerra Mundial (1944), os alemães do exército de ocupação na França impediram a realização da cerimônia, por temor da fuga dos franceses para nossa pátria; mas nos anos seguintes foram os baretoneses pagando as vacas daquele ano, até que os roncaleses perdoaram-lhes a terceira, em atenção às circunstâncias pelas quais tinham atravessado.
(Autor: Rafael Gambra Ciudad, “E1 Valle de Roncal”, Gobierno de Navarra, Gráficas Lizarra, Estella, 1987, pp. 3 a 5, 12 a 17)
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