Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
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Nestas condições, podemos perguntar-nos se na Idade Média o povo era tão ignorante como em geral se supõe.
Ele tinha ao seu alcance, incontestavelmente, os meios de se instruir, e a pobreza não era um obstáculo, uma vez que o custeio dos estudos podia ser inteiramente gratuito, da escola da aldeia (ou antes, da paróquia) até à universidade.
E ele aproveitava-se disso, uma vez que abundam os exemplos de pessoas humildes tornadas grandes clérigos.
Significa isto que a instrução estava tão divulgada como nos nossos dias?
Parece que sobre este ponto houve um mal-entendido, pois mais ou menos se confundiu a cultura com a letra, pois para nós um iletrado é fatalmente um ignorante.
O número de iletrados era sem dúvida maior na Idade Média do que na nossa época. (De fato é bem menos do que se disse, uma vez que a maior parte das testemunhas que intervêm nos atos notariais sabem assinar; e entre outros exemplos tem-se o de Joana d’Arc, pequena camponesa que contudo sabia escrever.)
Mas é justo este ponto de vista? O alfabeto pode ser tomado como único critério da cultura? Do fato de a educação se ter tornado sobretudo visual, pode-se concluir que o homem apenas se educa pela visão?
Num capítulo dos estatutos municipais de Marselha, datando do século XIII, depois de enumerar as qualidades exigidas de um bom advogado, acrescenta-se litteratus vel non litteratus (quer seja letrado, quer não).
Isto parece muito significativo, pois pode-se ser um bom advogado sem saber ler nem escrever, ou seja, conhecer o costume, o direito romano, o manejo da linguagem e ignorar o alfabeto.
Noção que nos é difícil de admitir, mas que contudo é de importância capital para compreender a Idade Média.
Era-se mais instruído então pelo ouvido do que pela leitura.
Por muito honrados que sejam, os livros e os escritos têm apenas um lugar secundário.
O papel de primeiro plano é reservado à palavra, ao verbo, em todas as circunstâncias da vida.
Nos nossos dias, oficiais e funcionários redigem relatórios, mas na Idade Média aconselham-se e deliberam.
Uma tese não é uma obra impressa, é uma discussão; a conclusão de um ato não é uma assinatura aposta ao fim de um escrito, é a tradição manual ou empenhamento verbal; governar é informar-se, inquirir, depois fazer proclamar as decisões.
(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge” - Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
FIM
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