segunda-feira, 8 de março de 2021

O rei vive em meio do povo e partilha sua sorte

O Soberano da Ordem de Malta em conselho de guerra
O Soberano da Ordem de Malta em conselho de guerra
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





Alguém fez notar que nada há de menos autocrata que um monarca medieval.* Nas crônicas, nas narrativas, trata-se sempre de assembleias, de deliberações, de conselhos de guerra.

* – Citemos esta passagem muito pertinente de A. Hadengue, na sua obra Bouvines, victoire créatrice:

“Os conselhos de guerra estão muito em uso nos estados-maiores dos exércitos da Idade Média. Sem cessar, vêm à pena dos cronistas as mesmas referências a eles.

No século XIII, um chefe militar não comanda, não decide à maneira de um general onipotente.

A sua autoridade é feita de colaboração, de confiança, de amizade. Está em dificuldade? Senta-se ao pé de uma árvore, chama os seus altos barões, expõe os fatos, recolhe as opiniões.

A sua opinião pessoal não prevalece sempre. ‘Cada um diz a sua razão’, como escreve Philippe Mouskès (pp. 188-189)”.

O rei não faz nada sem ouvir seu Conselho
O rei não faz nada sem ouvir seu Conselho
O rei não faz nada sem ter a opinião do seu conselho, que não é composto por dóceis cortesãos como o será Versalhes.

São os homens de armas — vassalos tão poderosos e às vezes mais ricos que o próprio rei — monges, sábios, juristas.

O rei solicita os seus conselhos, discute com eles, e dá muita importância a esses contatos.

Lê-se nos Enseignements de Saint Louis

“Toma empenho para teres na tua companhia homens honestos e leais, que não estejam cheios de cobiça, quer sejam religiosos ou seculares, e fala muitas vezes com eles.

“[...] E se algum tem uma ação contra ti, não o julgues até que saibas a verdade, porque assim o julgarão mais ousadamente os teus conselheiros de acordo com a verdade, por ti ou contra ti”.

Ele próprio pratica o que ensina.

É preciso ler minuciosamente, em Joinville, a narrativa desse patético conselho de guerra realizado pelo rei na Terra Santa, quando os começos difíceis da sua cruzada vêm pôr tudo em questão e incitam a maior parte dos barões a querer regressar à França.

A forma como Luís IX faz saber a Joinville que lhe está agradecido por ter tomado o partido contrário, e por ter ele ousado exprimi-lo, é toda ela marca dessa familiaridade, extremamente simpática, dos reis para com os que os cercam:

“Enquanto o rei ouvia as suas graças, fui a uma janela de ferro.

“Tinha os meus braços entre os ferros da janela, e pensava que se o rei viesse para França, eu iria para o príncipe de Antíoco.

João de Joinville entrega a História de São Luís a Luís X de França. Miniatura do século XIV. Biblioteca Gallica
João de Joinville entrega a História de São Luís a Luís X de França.
Miniatura do século XIV. Biblioteca Gallica
“Neste ponto em que me encontrava então, o rei veio apoiar-se nos meus ombros e pôs-me as duas mãos na cabeça.

“Julguei que fosse o Sr. Philippe de Nemours, que me tinha causado demasiado aborrecimento nesse dia, pelo conselho que lhe tinha dado, e eu disse assim: ‘Deixe-me em paz, Sr. Philippe’.

“Por pouca sorte, ao voltar a cabeça, a mão do rei caiu-me sobre o rosto, e percebi que era o rei por causa de uma esmeralda que tinha no dedo.

“E ele disse-me: ‘Fique tranqüilo, porque quero perguntar-lhe como foi que, embora sendo tão jovem, ousou defender a minha permanência, contra todos os grandes homens e os sábios da França que louvavam a minha partida’.

“Eu lhe respondi: ‘Senhor, teria eu a maldade no meu coração, se não defendesse a qualquer preço a vossa permanência’.

“Perguntou-me: ‘Eu faria mal se partisse?’, e eu lhe respondi que ‘se Deus me ajuda, senhor, faríeis mal em partir’.

“Perguntou-me então: ‘Se eu ficar, ficas também?’.

“Respondi-lhe que sim, e ele disse: ‘Esteja tranqüilo, porque lhe tenho muita amizade por ter aprovado a minha permanência’”.

Esta bonomia, esta simplicidade de hábitos, são muito características da época.

Casimiro III o Grande, rei da Polonia, amou seu povo como um pai a seu filho
Casimiro III o Grande, rei da Polonia,
amou seu povo como um pai a seu filho
Enquanto o imperador e a maior parte dos grandes vassalos se comprazem em manifestar o seu fausto, a linhagem capetiana faz-se notar pela frugalidade do seu modo de vida.

Os reis vão e vêm no meio do povo.

Luís VII adormece na orla de uma floresta, e quando os familiares o despertam, faz-lhes observar que pode bem dormir assim, sozinho e sem armas, já que ninguém lhe quer mal.

Filipe Augusto, algumas horas antes de Bouvines, senta-se ao pé de uma árvore e recupera as forças com um pouco de pão molhado no vinho.

São Luís deixa-se insultar na rua por uma velha mulher, e proíbe os seus companheiros de a repreenderem.

Gibões de veludo e capas de arminho são reservados para as festas e recepções solenes, e ainda assim é muitas vezes usado o cilício sob o arminho.

É um motivo corrente de gracejo, para os estudantes alemães habituados às magnificências imperiais, a simplicidade do equipamento real.

Esta simplicidade não foi imitada pelos Valois, e menos ainda pelos seus sucessores do Renascimento, mas se estes ganharam com isso uma corte brilhante, perderam esse contato familiar com o povo, elemento precioso do prestígio de um príncipe.


(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)


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