A Grande Ordem nasceu em meio à derrocada do Império romano |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A Idade Média, tal como se apresentava no seu ponto de partida, corria o risco de nunca conhecer senão o caos e a decomposição.
Nasceu de um império desmoronado e de vagas de invasões sucessivas, formada por povos desarmônicos que tinham cada um os seus usos, seus quadros e sua ordem social diferentes, quando não opostos.
Quase todos esses povos bárbaros tinham um sentido muito vivo das castas, da sua superioridade de vencedores.
De ali só poderia sair o mais inconcebível esboroamento, e de fato o apresentou no início.
Contudo, verificamos que nos séculos XII e XIII essa Europa tão dividida, tão perturbada por ocasião do seu nascimento, atravessa uma era de harmonia e de união tal como nunca conhecera.
E talvez não conhecerá mais no decorrer dos séculos.
Dos bárbaros, povos desarmônicos, diferentes ou opostos, só podia resultar o desabamento geral |
Os povos mais diferentes reuniram-se num único exército.
A Europa inteira estremeceu à palavra de um Urbano II, de um Pedro, o Eremita, mais tarde de um São Bernardo ou de um Foulques de Neuilly.
Vemos monarcas, preferindo a arbitragem à guerra, submeter-se ao julgamento do Papa ou de um rei estrangeiro para regularizar as suas dissensões.
Fato ainda mais notável, encontramo-nos perante uma Europa organizada.
Ela não é um império, não é uma federação — é a Cristandade.
É preciso reconhecer aqui o papel representado pela Igreja e pelo papado na ordem europeia.
Foram, com efeito, fatores essenciais de unidade.
A diocese, a paróquia, confundindo-se frequentemente com o domínio, foram durante o período de decomposição da Alta Idade Média as células vivas a partir das quais se reconstituiu a nação.
As grandes datas que para sempre marcariam a Europa são as da conversão de Clóvis, assegurando no mundo ocidental a vitória da hierarquia e da doutrina católicas sobre a heresia ariana.
E a coroação de Carlos Magno pelo Papa Estêvão II, que consagra o duplo poder espiritual e temporal, cuja união formará a base da cristandade medieval.
É preciso ter em conta, de uma maneira mais geral, a influência do dogma católico que ensina que todos os filhos da Igreja são membros de um mesmo corpo, como o lembram os versos de Rutebeuf:
Tous sont un corps en Jésus-Christ,
Dont je vous montre par l’écrit
Que li uns est membre de l’autre.
Todos somos um só corpo em Jesus Cristo,
E assim eu vos mostro, pelo que está afirmado,
Que nós somos membros d’Ele.
Busto-relicário de Carlos Magno. Fundo: cúpula da catedral de Aquisgrão, sua capital. |
Carlos Magno compreendera-o tão bem que, para conquistar a Saxônia, enviava missionários de preferência a exércitos, e o fazia por convicção, não por simples ambição.
A história repetiu-se no Império Germânico com a dinastia dos Otões.
A Cristandade pode definir-se praticamente como a “universidade” dos príncipes e dos povos cristãos obedecendo a uma mesma doutrina, animados de uma mesma fé, e reconhecendo desde logo o mesmo magistério espiritual.
Esta comunidade de fé traduziu-se numa ordem europeia assaz desconcertante para cérebros modernos, bastante complexa nas suas ramificações, grandiosa contudo quando a examinamos no seu conjunto.
A paz na Idade Média foi muito precisamente, segundo a bela definição de Santo Agostinho, “a tranquilidade da ordem”.
(Fonte: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
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Maravilhosa leitura. Obrigada por tão linda matéria.
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