Enriquecimento geral pelo comércio e o artesanato. Passeata histórica em Castello dei Conti (Itália) |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Com o comércio, o elemento essencial da vida urbana é o ofício.
A forma como foi compreendido na Idade Média, como se regulou o seu exercício e as suas condições, mereceu reter particularmente a atenção da nossa época, que vê no sistema corporativo uma solução possível para o problema do trabalho.
Mas o único tipo de corporação realmente interessante é a corporação medieval, tomada no sentido lato de confraria ou associação de ofício, logo alterada sob pressão da burguesia.
Os séculos seguintes não conheceram dela senão deformações ou caricaturas.
Corporação: é a custo que empregamos este termo, do qual tanto se abusou, e que se prestou a inúmeras confusões a propósito das nossas antigas instituições.
Notemos em primeiro lugar que se trata de um vocábulo moderno, que só aparece no século XVIII. Até então só tinha sido questão de mestrias ou de confrarias (jurandes).
Feira medieval: comércio direto entre produtor e consumidor |
Existiam em Paris, mas não no conjunto do reino, onde começaram a tornar-se o regime habitual — ainda com inúmeras exceções — apenas no fim do século XV.
A idade de ouro das corporações não foi a Idade Média, mas o século XVI.
Ora, a partir dessa época, sob o impulso da burguesia, elas começavam a ser de fato formadas pelos patrões, que fizeram da mestria uma espécie de privilégio hereditário.
Esta tendência se acentuou de tal forma, que nos séculos seguintes os mestres constituíam uma verdadeira casta, cujo acesso era difícil, senão impossível, para os operários pouco afortunados.
Estes não tiveram outro recurso senão formar por sua vez, para sua defesa, sociedades autônomas e mais ou menos secretas, as companheiragens.
Depois de ter sido, no espírito de determinados historiadores, o sinônimo de “tirania”, a corporação foi alvo de juízos menos severos e por vezes de elogios exagerados.
Os trabalhos de Hauser tiveram sobretudo por finalidade reagir contra esta última tendência e demonstrar que é preciso evitar ver nela um mundo “idílico”.
É bem certo que nenhum regime de trabalho pode ser qualificado de “idílico”, tanto a corporação como algum outro, a não ser talvez por comparação com a situação criada ao proletariado industrial do século XIX, ou com inovações modernas tais como o sistema Bedaud.
Não poderíamos definir melhor a corporação medieval do que vendo nela uma organização familiar aplicada ao ofício.
Entrar num emprego ou profissão era como entrar numa família |
Como a família, ela é uma associação natural, não emana do Estado nem do rei.
Quando São Luís manda Étienne Boileau redigir o Livre des métiers (Livro dos ofícios), é apenas para colocar por escrito os usos já existentes, sobre os quais não intervém a sua autoridade.
O único papel do rei face à corporação, como de todas as instituições de direito privado, é controlar a aplicação leal dos costumes em vigor.
Como a família, como a universidade, a corporação medieval é um corpo livre, que não conhece outras leis senão as que ela própria forjou.
É esta a sua característica essencial, que conservará até ao fim do século XV.
Loja medieval: o artesão vendia diretamente sua produção |
Todos os membros de um mesmo ofício fazem obrigatoriamente parte da corporação, mas nem todos, bem entendido, desempenham aí o mesmo papel.
A hierarquia vai dos aprendizes aos mestres-jurados, que formam o conselho superior do ofício.
Habitualmente distinguimos aí três graus:
̶ aprendiz,
̶ companheiro ou servente de ofício e
̶ mestre.
Mas isto não pertence ao período medieval, durante o qual, até por meados do século XIV, na maior parte dos ofícios se pode passar a mestre logo que terminada a aprendizagem.
Os serventes de ofício só se tornarão numerosos no século XVIII, quando uma oligarquia de artesãos ricos procura cada vez mais reservar-se o acesso à mestria, o que esboça a formação de um proletariado industrial.
(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
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